Com sensibilidade, Inácio Bicalho e João P. Jorge leram-nos a sina das línguas, este mais do que aquele, num discurso ontológico. Faz sentido no actual período da História, para nos recordar a evidência esquecida de que o inglês, língua do império dominante, também há-de morrer. Diria que esta tese é oposta ao assomo do mosquito de Nietzsche. Ele, ser para nós insignificante, "imita" o anglo-saxónico, que se imagina o centro do mundo. Mas isso, afinal, quer no anglo-saxónico, quer no mosquito, é o que dá sentido à vida.
Não pretendo que nós, utilizadores do português, nos imaginemos geocêntricos. Gostaria, contudo, de que não fôssemos menos ambiciosos do que o mosquito mencionado pelo filósofo alemão. Cumprimo-nos enquanto formos nós e sê-lo-emos enquanto fizermos alguma coisa por nós mesmos.
O inglês que falamos tão bem não passa da nossa segunda língua. A primeira, a língua que sentimos, é a portuguesa. Cada vez que a deixamos morrer um pouco, morremos um pouco também nós. E deixamo-la morrer quando não pensamos nela como bem de raiz e valor de investimento.
Neste mundo de mercados, o dos utilizadores do português está – linguisticamente falando – entre os dez primeiros do mundo. É riqueza desaproveitada. Por contingências históricas muito diversas. Mas, nos últimos tempos, também por falta de amor-próprio. As línguas todas morrem um dia: não é justificação. Se um homem diz: morro um dia, por isso já não trabalho, ele está a auto-excluir-se da sociedade. Faz de certo modo como o governo português, que não investe na nossa língua e, desta maneira, se auto-exclui. Desaproveita um bem económico que outros países invejam. Já repararam em quantos indivíduos falam francês e alemão? Muito menos do que os falantes de português.
A nossa política europeia não contradiz, penso eu, uma política de contacto com a lusofonia. Não se percebe, assim, o abandono total da chamada estratégia atlântica. Não basta festejar os oceanos na Expo'98, sob a tutela do continente franco-germânico. É preciso ter um pouco mais de ambição e o sentido prático que se intui de velho ditado português: "Quem não tem cão..."
Como se dizia há anos no anúncio a uma marca de leite: se não formos nós a defender a nossa língua, quem a há-de defender?