RIO DE JANEIRO - Se tudo sair como quer Aldo Rebelo, em breve os brasileiros estarão desrespeitando a lei caso entrem em um "drive-in", para depois comer um "hot dog" e tomar um "milkshake" ou consultem um "personal banker" antes de investir seu dinheiro.
Vejam bem: as atividades propriamente ditas não serão proibidas, somente o emprego de termos de língua inglesa utilizados pelos brasileiros para designá-las.
Rebelo, um deputado federal, decidiu tomar esta iniciativa após ter se sentido ofendido com a proliferação de lojas na cidade do Rio de Janeiro com nomes em inglês, como "The pet from Ipanema"; "Love, Sex and Money", uma loja de roupas; e outras tantas, como "World top lock", "Fashion Mall", "Bad kid", "Video market" e "Sweet way".
"Por qual razão os brasileiros deveriam se sentir constrangidos dentro de seu próprio país só porque não sabem pronunciar estas palavras?", disse Rebelo, filiado ao Partido Comunista do Brasil.
Em meio a um furor que foi definido por seus adversários como um "nacionalismo verbal", Rebelo é o autor de um projeto que pretende proibir a introdução e o emprego de palavras estrangeiras neste país de 170 milhões de habitantes. O projeto no início era visto somente como uma idéia meio maluca, mas já foi aprovado pela câmara dos deputados no final de março e foi encaminhada para o senado.
A meta deste projeto de lei, afirma Rebelo, é "elevar a auto-estima das pessoas em relação ao português, o idioma falado no Brasil, e mostrar a todos que esta não é uma língua feia, subdesenvolvida, atrasada ou inútil, como podem imaginar alguns". "Acho que ele e o projeto são malucos", rebate Ricardo Gouveia Botelho, um web designer de vinte e oito anos. "Nós usamos estas palavras porque todas as pessoas no mundo as entendem. E o que ele vai fazer depois? Vai chamar a polícia linguística para me prender?"
No entanto a proposta foi aprovada pelos deputados no dia 29 de março, e publicitários e empresários já começaram a pressionar senadores para que ela não seja aprovada. A aprovação do projeto de lei desviou as atenções, ainda que temporariamente, de um sério escândalo de corrupção, e não se sabe dizer quando os senadores poderão tratar do assunto. Se o projeto for aprovado pelo senado, o presidente Fernando Henrique Cardoso deverá decidir se o assina ou não.
Embora as línguas francesa e árabe tenham sido historicamente as principais fontes de palavras estrangeiras empregadas no português, a iniciativa está focalizada sobretudo na língua inglesa, considerada por Rebelo como um instrumento "da hegemonia econômica e comercial dos Estados Unidos".
O comércio já reagiu, embora muitos acreditem que o projeto venha a ser transformado em lei. Os grandes bancos já suspenderam programas com nomes como "Hot Money", "Federal Card" e "Home Banking", e muitas lojas já tiraram de circulação cartazes com anúncios de uma "sale" com "20% off", e os substituíram por um simples anúncio de "liquidação". Numa demonstração de apoio a Rebelo, foram espalhados por esta cidade cosmopolita vários cartazes com palavras do português que poderiam substituir os termos ingleses. Eles foram distribuídos pelo movimento de valorização da cultura, da língua e das riquezas brasileiras - um grupo nacionalista.
Porém a maior parte dos linguistas brasileiros sustenta que o projeto é muito radical e que ele subestima o poder de absorção de termos estrangeiros característico do português falado no Brasil.
A criatividade dos brasileiros para adaptar o inglês de acordo com suas próprias necessidades é tamanha que os falantes da língua inglesa muitas vezes se surpreendem com o emprego de algumas palavras. Para os brasileiros, a cabine de um chuveiro é um "box" (em inglês, o sentido original da palavra seria "caixa"), um cartaz de rua é um "outdoor" (em inglês, teríamos "billboard"), praticar corrida é fazer "cooper" (em inglês, o correto seria "to go jogging"; o "cooper" é na verdade uma referência ao médico que introduziu esta prática por aqui), uma lâmina de navalha é uma "gilete" e os garotos musculosos que tomam esteróides anabolizantes e entram em brigas nas danceterias são conhecidos como "pit boys".
"As palavras estrangeiras estão presentes em qualquer idioma, e geralmente por boas razões", afirmou Sérgio Nogueira Duarte, um professor de português que escreve uma coluna semanal a respeito da língua portuguesa para um diário carioca, o "Jornal do Brasil". "É preferível se empregar a palavra 'dumping', por exemplo, do que gastar uma linha inteira para explicar em português que você está falando a respeito da técnica de se vender um produto abaixo de seu preço de custo para prejudicar a concorrência".
Se for tomada ao pé da letra, a medida proibiria forçosamente boa parte do vocabulário do futebol, uma paixão nacional, a começar pelo próprio nome do esporte (sem se falar em outras palavras como "gol" - "goal", "meta" ou "alvo" - ou pênalti - "penalty", "penalidade"). Porém Rebelo afirmou que estava disposto a abrir exceção para palavras que já foram ou que estão sendo assimiladas pela língua portuguesa.
"Nós não queremos controlar a evolução da língua", ele disse. "O que nós queremos e impedir abusos". E a melhor forma de se chegar a tanto, ele afirma, é punir os infratores com multas ou "colocá-los de volta na escola para aprender português". Pela constituição brasileira, a Academia Brasileira de Letras deve determinar quais palavras estrangeiras podem legalmente ser utilizadas, ou, como diz Rebelo, quais palavras "podem ter um visto permanente" e quais não podem. Porém a Academia, que já determina as regras ortográficas do país, vê com reservas o alcance do projeto.
"As preocupações do deputado com a saúde de nossa língua são certamente louváveis", afirmou Tarcísio Padilha, presidente desta casa que conta com 40 integrantes. "No entanto trata-se de uma questão cultural de extrema complexidade que merece mais um debate público do que uma regulamentação por leis e decretos".
Uma das razões pelas quais a proposta de Rebelo pode ter alcançado tamanho sucesso é a condição do Brasil como único país de língua portuguesa no hemisfério oeste, o que transmite uma impressão de isolamento e temor de que outros idiomas acabem se impondo sobre o português.
O português é provavelmente a sétima língua mais falada em todo o mundo, mas fora do Brasil ela é a língua materna de pouco mais de 50 milhões de pessoas - em sua maioria habitantes de cinco pobres países africanos.
Por conta disto, muitos ficaram preocupados quando o linguista americano Steven R. Fischer afirmou, durante uma palestra no Brasil, que "dentro de 300 anos no Brasil se falaria" um outro idioma. Esta previsão foi feita pouco tempo depois do governo ter tornado obrigatório o ensino do espanhol nas escolas brasileiras na intenção de estreitar os laços com os outros países latino-americanos, aonde o português muitas vezes é visto somente como "um espanhol muito mal falado".
"O Brasil está cercado por países que falam o espanhol", e na medida em que se intensificarem os contatos e as relações comerciais, haverá uma pressão ainda maior para se abandonar o português, disse Fischer em uma entrevista à revista "Veja". "Em função da enorme influência da língua espanhola, é muito provável que nasça uma espécie de 'portunhol'", ele completa.
Na tentativa de fortalecer o idioma fora do país, o Brasil apoiou financeiramente a criação da comunidade das nações de língua portuguesa, nascida em 1996. O governo brasileiro também pressionou para que o português figurasse como uma das línguas oficiais na ONU e defendeu a recuperação da língua portuguesa em Timor Leste, aonde se reprimiu fortemente o português durante os 25 anos da dominação indonésia.
Mas os brasileiros não devem se sentir "ameaçados ou sair lutando contra moinhos de vento, numa espécie de batalha quixotesca que não faz o menor sentido", aconselha Padilha. "Todo idioma é um organismo vivo que evolui, e nossa língua, com a graça de Deus, sempre demonstrou capacidade para acolher as palavras estrangeiras que deseja acolher e rejeitar aquelas que não deseja para si".
Tradução: André Medina Carone
Texto publicado no "New York Times" e transcrito pelo portal brasileiro UOL em 15 de Maio de 2001