"Achamento" e não "descobrimento" - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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"Achamento" e não "descobrimento"

A propósito do vocábulo "achamento", agora tão em moda, a respeito do Brasil ocorre perguntar: porquê "achamento" e não "descobrimento"? 

Diz o dicionário que achar é encontrar, supor, inventar e que descobrir é tirar a cobertura a, destapar, patentear pela primeira vez, inventar, avistar, reconhecer, divulgar, denunciar, revelar, etc. 

Poder-se-á relacionar os dois termos, respectivamente com as teses do acaso e da intencionalidade que surgiram quando se tratou de estudar o problema da chegada ao Brasil por parte dos portugueses em 1500: achou-se por acaso ou pôs-se a descoberto o que se sabia existir? Parece estar provado hoje em dia que a armada de Pedro Álvares Cabral não rumou inadvertidamente para ocidente quando se dirigia para a Índia, mas sim propositadamente, como tão bem prova o fundamentado estudo de Alfredo Pimenta, de facílima leitura, "O Descobrimento do Brasil" (Estudos Históricos- XX, Livraria Portugália, Lisboa, 1942). 

Mas o problema da preferência dada ao vocábulo "achamento" também pode esconder a ideia de que se tratou de conhecer uma realidade em si e que a relação que se estabeleceu com ela adulterou a sua verdade. No entanto, o Brasil, país encantador e problemático, de original cultura, que chama a atenção do mundo inteiro pelo que é, pelo que poderá vir a ser, não seria o que é se não fosse a ingerência dos portugueses na sua história - vide a sua língua e a sua música. Teve defeitos essa ingerência? Certamente. Qual é a vida humana que os não tem? 

Mas a história e as vidas humanas avaliam-se pelo modo como foram, ou pelo que lograram alcançar? "Caminhante, não existe o caminho, este faz-se a andar", diz um poeta do país nosso vizinho... de que deveríamos receber não apenas os produtos com que invade os nossos mercados e as tecnologias que nos oferece actualmente, mas também a assunção descomplexada que finalmente mostra pela sua gesta de descoberta e construção de mundos novos, mais interessado em colaborar com o que agora estes são do que se penitenciar pelos erros que fez. 

Caminhos, pesquisas, progressos, arrepios, heroicidades, cobardias, honestidades, aviltamentos são os ingredientes da aventura humana na Terra. 

Construir o presente é mais profícuo que lamentar o passado. Levar a discernir entre o que foi bom e o que foi mau será talvez a melhor lição da história. 

Porém, sublinhar o negativo em detrimento do positivo é morrer, comodamente...

Fonte

Carta publicada no matutino português «Público» do dia 27 de Abril de 2000.

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