A Nova Terminologia Linguística (NTL neste parecer) tem estado submetida a críticas severas, numa controvérsia muito participada. Na janela Controvérsias de Ciberdúvidas, onde estão coligidos vários pareceres publicados, pode avaliar-se como o assunto tem preocupado os interessados. Ora depois de vários meses de estudo da NTL, de ter assistido ao seu último congresso e lido as muitas opiniões pró e contra que sobre o assunto foram publicadas, a opinião final com que fiquei, sem a pretensão de me achar com qualquer direito a que seja respeitado neste parecer, foi a seguinte:
De facto, a Portaria que instituiu a experiência e, depois, a Base de Dados de suporte da DGIDC, enfermam ambas, de alguns inconvenientes:
1 — No agrupamento considerável de termos apresentados (muitos novos), alguns só são usados num nível superior de estudos. Conjunto que na sua globalidade confundiu o utente criterioso da língua ou alguns agentes do ensino já bem familiarizados com a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (NGP), em particular aqueles que não entenderam porque haviam de considerar tanta complexidade nova no seu magistério. Os conselhos para a introdução progressiva dos vários termos no ensino só surgiram mais tarde, como resultado das experiências pedagógicas empreendidas por professores e formadores especialmente encarregados dessa missão. A desculpa de que a NTL se destinava só aos professores não é válida, porque como tradicionalmente se diz, `as escolas giram em volta dos seus alunos´. Não foi prudente a introdução da NTL sem os devidos conselhos, por ordem de importância no uso da terminologia, para os vários graus de aprendizagem da língua.
2 — A própria designação: Terminologia Linguística para os Ensino Básico e Secundário (TLEBS) não foi feliz. Pode perguntar-se legitimamente se, afinal, a NTL só se aplica aos ensinos básico e secundário, não ao universitário, nem a qualquer outro texto sobre a língua não especificamente destinado ao ensino. Num outro aspecto, não seria imediatamente de prever que os docentes do ensino básico e mesmo os dos primeiros anos do secundário iriam considerar um exagero tanta minúcia? Não teria sido mais prudente referir simplesmente a NTL por `Nova Terminologia Linguística´, sem que no título se depreendesse a particularidade de se destinar aos ensinos básico e secundário? A Portaria determinaria, então, que nos diversos graus de aprendizagem da língua, se deveriam ir usando os termos mais recentes da NTL, para estabelecer coerência em todo o ensino, nomeadamente com o universitário. Assim, como foi decretada, a desagradável TLEBS teve o efeito de ditatorial imposição taxativa, ordens já não são muito bem recebidas nestes novos tempos de democracia, por muito que nalgumas pessoas os hábitos custem a mudar.
3 — Acresce que a corrente pedagógica que pretendia a reintrodução da vilipendiada e ignorada gramática na prática do ensino da língua, sentiu que a `mudança drástica´ iria agora contrariar este esforço nos alunos. Parece óbvio que o excesso de complexidade prejudica o gosto na aprendizagem duma língua já de si nada fácil.
4 — A aceitação de critérios dos especialista académicos da investigação trouxe como consequência que muitos assuntos, que ao utente da língua interessaria estivessem agrupados, estão dispersos por várias alíneas. Por exemplo, no livro da autoria de João Andrade Peres e Telmo Móia, publicado com o título: «Áreas Críticas da Língua Portuguesa», conclui-se que a concordância é justamente uma dessas árias críticas. Ora na lista dos vários termos da TLBES, a concordância aparece fragmentada em B4.2.1, B4.3.1 e B4.3.3 (e o adjectivo em B2.1.1, B2.4.2, B3.1.2, B3.1.12; o substantivo [nome] em B2.1.1, B2.4.2, B3.1.1, B3.1.5; etc.). Estas fragmentações exigem um conhecimento global da Terminologia, o que não facilita a sua fácil assimilação nas questões mais elementares.
5 — Também nem sempre foram felizes as escolhas terminológicas. É facto que nalguns casos se notou alguma simplificação (ex.: voltou-se à designação de agudas, graves e esdrúxulas, em vez das designações de oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas [que, no entanto, não devem ser esquecidas, pois estão em muitas gramáticas normativas]). Noutros casos, porém, a NTL apresenta designações de substituição ou classificações pormenorizadas que baralharam ideias intuitivas já assentes. Ora a simplificação é uma tendência da língua, como pode verificar-se com o que aconteceu em muitos aspectos na reforma ortográfica de 1911, com o projecto radical de 1986 que não vingou ou com o acordo de 1990, em estudo de aprovação.
6 — Nalgumas escolhas, fica-se mesmo com a ideia de se ter pretendido simplesmente ser original no nosso país; quando é preciso não esquecer que a língua, na sua vertente universal, tem a responsabilidade de não ser muito original no português europeu. Neste aspecto, a comparação com a terminologia brasileira, como se fez no passado, é sempre indispensável, para que não fiquemos isolados na lusofonia. Pessoalmente considero este ponto da maior relevância.
O resultado imediato de todas estas deficiências foi um sentimento generalizado de oposição, sobretudo das pessoas nas quais era mais natural uma recusa à mudança. Tem, no entanto, havido exageros nas críticas. Não desejo nomear ninguém, pois por um ou outro motivo, alguns dos críticos mais severos me merecem o maior respeito.
Para mim, os conhecimentos na língua são sempre relativos, pois não há ninguém que nela tudo saiba. Repito que Vasco Botelho do Amaral, fundador da Sociedade da Língua Portuguesa, afirmava que ninguém é dono da língua.
E quanto a se considerar que a NTL deve pura e simplesmente ser abandonada, também a atitude é, para mim, exagerada. O bom senso recomenda que no estudo da língua se aproveite sempre o que há de positivo, sem ideias preconcebidas de tudo condenar só porque no conjunto há coisas negativas, por muitas que sejam.
Lembremos que a terminologia linguística deve mudar com o tempo, atendendo à evolução dos novos conhecimentos desta ciência. Ora a NPG tem a data de 1967 e ficou já desactualizada. Impunha-se, assim, a sua actualização, tanto mais que começava a haver um desvio apreciável entre o que se usava na universidade e o que se ensinava no ensino secundário.
Segundo afirmam os seus defensores, a NTL foi o resultado dum amadurecido estudo de vários anos e após se terem ouvido inúmeros especialistas da investigação e do ensino da língua. Trata-se, indiscutivelmente, dum amplo e comparticipado trabalho, que merece ser respeitado. Além disso, há inegável mérito no esforço de sistematização dos termos, como é sempre indispensável a uma ciência. A sua recusa com o argumento de que os termos são complexos ou difíceis não é muito válida, pois todas as ciências têm os seus termos peculiares. Para ser completa, a NTL teria de incluir todos os termos da ciência linguística.
Tem-se sublinhado que a terminologia não é uma gramática, e que esta não muda pelo facto de darmos nomes novos aos conceitos. Continuam válidas as gramáticas respeitáveis normativas em vigor (que eu próprio sigo no «Prontuário» da Texto), como, por exemplo, a de Celso Cunha e Lindley Cintra (que aliás há quem recomende que deveria ser actualizada também).
Já se aconselhou ou se afirmou a decisão de não respeitar a NTL. Todavia, lembra-se que a NTL foi objecto duma Portaria oficial que a instituiu, e que, enquanto estiver em vigor, merece, por isso, respeito cívico. Além disso, o docente que decida pura e simplesmente ignorá-la no magistério poderá deixar em desvantagem os seus alunos no prosseguimento dos estudos, mais avançados.
Em resumo, louvo a iniciativa e o muito trabalho que NTL representa. Penso, porém, que, para ser verdadeiramente útil e atenuar os muitos anticorpos que já arranjou, a sua introdução deve fazer-se mais gradualmente ainda e com maior aceitação dos termos tradicionais (o recuo na imposição de termo `frase´ para substituir `oração´ é um bom caminho). Repito que ponderar o que é usado no Brasil será útil para a universalidade da nossa língua.
Na minha página na Internet, em www.dsilvasfilho.com/TLEBS.htm está um resumo geral e um índice alfabético dos termos da NTL, em complemento do resumo comentado que apresentei nas últimas páginas da 4.ª Versão do «Prontuário» da Texto Editores. É uma contribuição para o enorme esforço de `interiorização da necessidade de mudança´ que está a ser feito pelas pessoas empenhadas neste laborioso empreendimento.
Espero que na aplicação da NTL sejam atendidas as observações `criteriosas´ de todos aqueles que presentemente se sentem preocupados; mas faço votos sinceros para que os obreiros da mudança não percam o ânimo. Todas as alterações importantes na língua foram demoradas e sempre feitas com muita resistência. Lembro que as ideias para a reforma de 1911 tiveram inúmeras críticas (consta que Camilo Castelo Branco dizia que se iria recusar sempre a substituir o ph pelo f...).
Texto escrito para o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa