Estavam os portugueses muito quietinhos a tentar perceber o que se passava na cúpula da Liga de Futebol e qual o desfecho do caso Gil Vicente, quando lhes foi apresentada a inesperada anedota da TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário).
Não sei nem pretendo vir a saber as novidades que essa anedota muito ‘intelectual’ nos traz. Diz-me a experiência que as inovações ‘um tanto ou quanto loucas’ não se aguentam por muito tempo e, por isso, não devemos dar-lhes muito espaço na memória RAM nem no disco rígido do cérebro. É curioso como o raciocínio me levou para a informática! Esta e o seu conhecido ‘produto acabado’, a Internet, baseiam-se no sistema numérico binário, isto é, o mais simples possível. Na linguagem virtual, os jovens estão a usar e a abusar de palavras resumidas a duas simples letras, no máximo – bj, k, qd, qq, rs, tb, vc, ...
São sinais expressivos de que a tendência realmente inteligente conduz-nos à simplificação da vida. Quanto mais simples são as coisas, mais apetecidas se tornam. Tanto na arte da relação e da comunicação como na técnica. Vão muito longe os tempos em que, nos carros, para fazer uma mudança, era preciso utilizar dupla aceleração e duplo golpe de embraiagem, mas hoje a tendência é para simplificar ao simples uso do acelerador, sem embraiagem.
Enfim, tudo corre para a simplificação, excepto alguns dos nossos ‘intelectuais’ que se envaidecem a ‘lutar contra os irreversíveis ventos da história’ (Lembram-se destas palavras? E do contexto em que eram utilizadas há quatro décadas?). Agora, os ‘eruditos’ já não dizem grave, dizem gravoso, e outras coisas assim, mostrando a sua aversão à simplificação racional.
Fazem lembrar os discursos herméticos de um ex-PR que, no dia seguinte, tinha dificuldade em explicar depois das críticas e interrogações da comunicação social, aquilo que tinha pretendido dizer. Há que ter presente que comunicar é entregar ao outro ideias em condições de ele receber, isto é, simples e perceptíveis.
Hoje, fala-se e escreve-se mal o português e não é com a TLEBS que esta situação melhorará. Não sei a diferença entre um «nome agentivo», um «nome de qualidade» ou um «nome epiceno». E porque terei de dizer um «determinante artigo»? e porquê um «designador rígido» ou um «quantificador universal»? Como as boas maneiras me impedem de lhes chamar um «nome epiceno» obsceno, ou «agentivo» ofensivo «de qualidade» indecorosa limito-me a dizer que estes ‘eruditos’ precisam de uns valentes golpes de «catáforo», dados por musculoso «quantificador universal» a ver se adquirem «coerência-pragmático-funcional».
Daqui por cinco anos voltaremos a conversar sobre esta anedota. Talvez então ainda alguém se lembre destas inovações merecedoras do prémio Nobel! Entretanto vou continuar a praticar mentalmente a divisão de orações que muito me tem ajudado a procurar estruturar correctamente as frases.
Carta publicada no jornal "Público" do dia 21 de Outubro de 2006.