«Da perspectiva linguística tampouco é adequado pensarmos na língua brasileira. É sempre melhor cultivar as convergências entre as variedades de uma língua do que reforçar diferenças.»
Uma amiga envia-me uma mensagem sobre o iminente surgimento da língua brasileira. Em menos de quarenta anos, segundo lera, deixaríamos de falar português no Brasil e teríamos um novo idioma, o brasileiro. A ideia que a incomodara, na verdade, não é nova. Já apareceu, por exemplo, no século XIX, nas obras de José de Alencar. Volta de vez em quando à cena e sempre atrai atenções. Talvez porque, como brasileiros, às vezes, sentimo-nos estrangeiros falando português. Do próprio nome que remete a outro país às dificuldades para compreender outros que dizem falar também o mesmo idioma, mas por vezes parece que não... O português não é para fracos!
Separar duas línguas, porém, não é tanto uma questão gramatical, mas antes uma realidade política e cultural. Por exemplo, há mais diferenças entre alguns dialetos do chinês do que entre o dinamarquês e o norueguês. Uma língua, como realidade da vida, não se restringe a um conjunto de regras: envolve pessoas e as suas histórias. Separar o português europeu do americano apenas traria mais dificuldades para todos os envolvidos.
O português é a língua oficial de nove países espalhados pelo mundo. Formamos uma família, nem sempre muito unida, é fato, mas família. Separados, nós, brasileiros, perderíamos uma parte significativa de nossas relações, não apenas com Portugal, mas com a África, com a Ásia e com a Oceania. Isso porque essa nova língua, o brasileiro, sendo falada apenas no Brasil, de algum modo nos empobrece. Uma perda que não é apenas da influência política e econômica, o que já não é pouco, mas o enfraquecimento de laços históricos e culturais com nações que têm um passado unido ao nosso. Passamos a ser aquele parente que ninguém convida para as festas.
Das línguas europeias transplantadas para a América, a portuguesa foi, provavelmente, a que criou mais distâncias de seu lugar de origem. A explicação não é simples. Perder o difícil diálogo entre as variedades americana e europeia do português pode então soar vantajoso para alguns, reforçando uma ideia um tanto colonialista de defesa do português correto. Mas esse português passaria de mais de 260 milhões de falantes oficiais para uma língua de cerca de 44 milhões. Ou seja, perderia também expressividade internacional, teria cerca do mesmo número de falantes do polonês. Perder impacto nunca é uma boa estratégia. Aqui também a união faz a força. E não teríamos sequer a vitória de nenhum suposto “português correto”.
Da perspectiva linguística tampouco é adequado pensarmos na língua brasileira. É sempre melhor cultivar as convergências entre as variedades de uma língua do que reforçar diferenças. Quando um falante de português não entende outro, estamos diante de um fracasso: há um problema a resolver, não algo do que fugir. Pequeno, mas triste fracasso que deveria levar-nos à busca da compreensão dos porquês não a decretar um novo idioma. Precisamos de efetivos movimentos de aproximação, algo em que os dois lados da Atlântico temos falhado e de muitas maneiras.
Ao invés de alavancar divisões, não estaria mal avançarmos, por exemplo, na situação do galego, o qual alijamos de nossa realidade linguística lusófona. Que bem podem ser consideradas a mesma língua, o galego e o português, o povo já o sabe. Muitos brasileiros, indo à Galiza, surpreendem-se do galego ser mais fácil de entender que o português lusitano. Isso porque o galego, assim como o português do Brasil, não passou pelo processo de consonantização que ocorre de modo tão fértil em terras lusas, em que, o exemplo é bem conhecido, telefone vira “tl´fon”. O ouvido brasileiro treinado pela sua história da língua portuguesa a ouvir mais as vogais que as consoantes, agradece a fraternidade oferecida pelo galego.
O tema é complexo e não se esgota apenas neste breve artigo. Apesar dos muitos desafios, sem dúvidas ganhamos mais em trabalharmos pela união solidária desta família de falantes de português. Para isso, precisamos conhecermo-nos melhor, como realidade plural de países espalhados pelo mundo com os quais dividimos um patrimônio único, a língua portuguesa. Língua que, nunca é demais repetir, sendo portuguesa é também angolana, moçambicana, caboverdiana etc... ah, e, é claro, também já o é brasileira. E ainda assim o será em quarenta anos.