Maria do Carmo Vieira tem-se assumido, nas suas imensas tomadas de posição, como uma apaixonada pela língua portuguesa e defensora da qualidade do ensino. Não há jornal, rádio, canal de televisão que não lhe peça a opinião sobre temas relacionados com o ensino do português. Sabemos que as paixões nos podem cegar e impedir raciocínios metódicos e claros, o que justifica alguma irreflexão nalgumas reacções. No entanto, o seu artigo mais recente, publicado no JL, deixou-me verdadeiramente perplexo.
Apresenta-se como uma defensora do ensino da gramática, o que é louvável, mas como uma feroz crítica da Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário, baseada em exemplos retirados deste documento. A minha perplexidade advém do que se lê do entendimento feito do que é ensinar gramática e, sobretudo, do seu conhecimento de gramática. Vejamos:
1. Sugere Maria do Camo Vieira que o advérbio é designado de modificador na TLEBS. Esta docente não entende, portanto, a diferença básica entre classes de palavras e funções sintácticas. Não sabe que advérbio é uma palavra que pode desempenhar a função de modificador. Estranho este desconhecimento, que é pressuposto à entrada do 2º ciclo. Desconhece também as distinções entre advérbios de frase (disjuntos) e advérbios de predicado (adjuntos), dentro dos quais a TLEBS lista as classes semânticas tradicionais. Estranho este desconhecimento, que é básico para qualquer conhecedor do funcionamento do português.
2. Maria do Carmo Vieira acha que ensinar gramática é ensinar os alunos a debitar uma lista interminável de subcategorias de classes de palavras, desconhecendo que as subclasses só são relevantes para a identificação de contrastes ou para instrumentalizar em contextos específicos de uso. Estranho este desconhecimento, crucial para a prática docente, que se deve pautar por uma construção gradual do conhecimento.
3. Maria do Carmo Vieira não entende que um pronome é, como o nome indica, o que ocorre em vez do nome, pelo que tratar muitos (em muitos livros) a par de isto é errado e confuso. Estranho este desconhecimento, uma vez que a distinção entre pronomes, por um lado, e quantificadores e determinantes é feita na gramática de tradição greco-latina e na Filosofia da Linguagem.
4. Maria do Carmo Vieira não sabe que o sujeito não-referencial presente em línguas como o francês e o inglês é designado de expletivo, sendo, portanto, natural a sua referência, em termos semelhantes, no português. Desconhece, também, os documentos orientadores para o ensino do português, que não fazem referência a este termo.
5. Qualquer falante do português saberá estabelecer relações de significado entre aposto e apositivo. Desconhece Maria do Carmo Vieira o que unifica o aposto e a modificação restritiva e talvez desconheça que o facto de não se mostrar, de forma sistemática, as semelhanças e diferenças entre os dois tipos de modificação numa hierarquia de informação coerente pode estar na base de tantas dúvidas em domínios tão básicos como a pontuação.
Todo este desconhecimento me deixa perplexo! Felizmente, não é representativo do sólido conhecimento de gramática de muitos professores de português, que dominam conceitos e métodos, que a ensinam de forma sistemática e a relacionam com as competências de leitura, escrita e oralidade.
O contributo de Maria do Carmo Vieira é, portanto, evidente. Tentar criar mais uma polémica, mas, desta vez, com uma paixão estranha, porque ama e defende o que desconhece.
Texto enviado ao Jornal de Letras como resposta ao artigo de Maria do Carmo Vieira publica