O verbo perdoar é um verbo de dois objetos: perdoa-se uma coisa a alguém. «*O menino perdoou o pai» é um grave erro estrutural em português (o asterisco assinala a agramaticalidade da frase): perdoa-se alguma coisa a alguém. Assim, *«o menino perdoa o pai» é um erro de sintaxe em português. É um erro recentemente na moda, que se está a espalhar rapidamente.
O menino perdoa ao pai o castigo que lhe infligiu (abandonando-o na floresta), ou o menino perdoa o castigo ao pai, ou simplesmente o menino perdoa ao pai.
Este é um erro que se começa a encontrar, sobretudo em traduções do inglês, língua em que as formas do pronome complemento direto e indireto são homónimas. Mas não é este o caso. Em português, o verbo perdoar rege, além do complemento direto – neste caso seria algo como «o castigo» –, complemento indireto ou a preposição a – «ao pai». Ora, o pronome o, usado nesta notícia, é uma forma de complemento direto do pronome. Caso os dois pronomes estivessem presentes em português, seria «o menino perdoa-lho». Assim, o menino deveria dizer: «eu perdoo-lhe», ou «eu perdoo ao meu pai».
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N. E. – Não são consensuais os juízos normativos que a sintaxe deste verbo motiva. Vários dicionários de verbos e regências tanto de Portugal como do Brasil atestam (por vezes, com abonações literárias) o uso do verbo perdoar com um complemento direto de pessoa («perdoa o pai») – cf. W. Busse 1995, Dicionário Sintático de Verbos, Coimbra, Almedina, 1995; Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, Lisboa, Texto Editora, 2007; Celso Pedro Luft, Dicionário Prático de Regência Verbal, Rio de Janeiro, Ática, 1997; Francisco Fernandes, Dicionário de Verbos e Regimes, Rio de Janeiro/Porto Alegre/São Paulo, Livraria do Globo, 1947. A Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, p. 528), refere-se ao complemento direto de «pessoa» como «normal no português antigo e médio, [e] frequente na linguagem coloquial brasileira, razão por que alguns escritores actuais não têm dúvida em acolhê-la».