Este é um caso típico e pouco exemplar de como Portugal lida com os contratos que faz e os compromissos que assume, mesmo quando eles tomam a forma de leis, na ordem interna, ou de acordos, entre países. Quem ande pelos 35 anos e todos aqueles que já por lá passaram ainda hão-de lembrar-se de um debate longo e assanhado que atacou jornais e académicos acerca do acordo para a uniformização da ortografia da Língua Portuguesa nos países onde ela é falada. Pois bem, o polémico acordo ortográfico acabou por ser assinado por todos os estados lusófonos, excluindo Timor-Leste, que ao tempo se encontrava sob ocupação indonésia. Estávamos no longínquo ano de 1990.
Conforme as disposições estabelecidas, o acordo tinha de ser ratificado pelos parlamentos de todos os parceiros. Quatro já o fizeram e Portugal foi até o primeiro, em 1991. Seguiram-se o Brasil (1996), Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe (2006). Até hoje, porém, o acordo é letra morta e continua à espera de ser aplicado. Isto porque o entusiasmo se revelou fraco ou nulo na maioria dos países com excepção do Brasil, cuja grafia beneficiou de maiores "concessões" das partes e porque o acordo só entraria em vigor depois de todos os sete subscritores o terem ratificado. Para acelerarem o processo, ou para fingirem que o assunto os preocupava, os parceiros da CPLP decidiram então acrescentar dois protocolos modificativos. Mas os protocolos não aceleraram coisa nenhuma. Até hoje, foram ratificados apenas por três países e nenhum deles é Portugal.
Perante estes dados de facto, o Brasil começou por declarar que iria aplicar o acordo em 2008. Mas recuou nesse propósito, segundo o ministro da Educação, por deferência para com Portugal. Ora, é muito triste que o futuro da nossa língua e o objectivo, partilhados por todos, de uniformizar a sua escrita, estejam a ser discutidos apaixonadamente no Brasil e que um silêncio quase tumular se observe em Portugal, sem que se saiba quando e como tenciona o Governo tratar o assunto. E é muito grave que o nosso país tenha assinado um compromisso, mas se esqueça, aparentemente, de o cumprir. Ou, então, não está esquecido, mas ter-se-á arrependido de o assumir inteiramente o que, naturalmente, nos envergonharia mais ainda.
editorial do "Courrier Internacional", de 28 de Setembro de 2007