Tornou-se moda, nas últimas semanas, comentar a Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS). Aderiu a essa moda Helena Matos, na edição do Público do último Sábado, contribuindo, a par de outros comentadores, para mais uma onda de desinformação a este respeito.
Julgava eu que um comentador faria um esforço por se informar previamente sobre o assunto sobre o qual escreve. Aparentemente, não é esse o caso. Se assim fosse, não seriam tantos os artigos de opinião que abundam em falta de informação. Deixo aqui alguns esclarecimentos cruciais sobre a TLEBS que podem mostrar como Helena Matos, entre outros, escreveu sem fazer o seu “trabalho de casa”.
1. A TLEBS é um documento que substitui a Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967. É apenas isso e não um manual de gramática ou um documento que revogue os programas em vigor. Assim, o que é ensinado nas escolas depende dos programas e do Currículo Nacional (CNEB, DEB: 2001) e não da TLEBS. Não havendo alteração destes documentos, não há alteração do peso relativo da gramática nos programas, nem dos conteúdos a ser leccionados, nem transformação das aulas de português em cursos de linguística.
2. A TLEBS introduz termos relevantes para fazer distinções cruciais para uma boa descrição do funcionamento da língua portuguesa. Entendê-los implica o seu estudo e não apenas critérios (pseudo-)estéticos sobre se são palavras bonitas ou feias. Muitas das subclassificações feitas são para esclarecimento dos docentes, por exemplo, para a escolha de exemplos a seleccionar para o ensino das distinções previstas nos programas.
3. Ensinar gramática não é ensinar listas de termos ou definições, mas pôr o conhecimento da gramática ao serviço da explicitação do funcionamento da língua e do desenvolvimento de competências de leitura, escrita e oralidade.
4. Alguns dos termos que têm sido dados como exemplo do que vai ser ensinado nem sequer ocorrem na TLEBS (veja-se o citadíssimo "advérbio disjunto restritivo do valor de verdade da asserção", que não aparece nem no documento, nem na base de dados que lhe serve de apoio). Isto mostra que estes comentadores têm tentado construir uma opinião pública limitando-se a citar-se uns aos outros.
5. A gramática chomskyana é de natureza transformacional e derivacional. O que se fez nos anos 80 (contra a opinião da comunidade linguística) foi análise estruturalista de frases. Como já tive oportunidade de escrever noutro contexto, convém haver alguma informação sobre o trabalho que os linguistas fazem antes de afirmar que este tem sido transposto directamente para o ensino.
Helena Matos tece um comentário bizarro sobre a evolução do ensino do português. Análises das práticas docentes e dos resultados dos exames têm revelado que, das áreas a ser trabalhadas nesta disciplina, duas têm sido praticamente ignoradas: a gramática e a oralidade. Isto é patente na inexistência de cultura geral sobre o funcionamento da língua (quantos portugueses, à saída do 9º ano, distinguem sem hesitar um adjectivo de um advérbio?) e nas fracas capacidades de grande parte dos adultos em fazer uma exposição oral formal. Mas Helena Matos afirma que a oralidade tem sido privilegiada!
Introduzir a propósito da TLEBS o debate sobre o peso relativo da literatura face a outras tipologias textuais é, mais uma vez, baralhar e desinformar. O trabalho em gramática pode ser feito com base em diferentes tipos de textos, pelo que a questão das tipologias é independente desta. Contudo, como a referência ao regulamento de concursos televisivos mostra, Helena Matos confunde, de novo, programas, manuais e textos de opinião.
Ser comentador num jornal devia ser uma tarefa nobre e responsável (era assim no tempo de alguns dos nossos grandes autores). Arriscamo-nos a que a polémica em torno da TLEBS contribua apenas para perpetuar o estado do ensino do português dos últimos 30 anos, em que a gramática tem sido deixada de parte, com consequências óbvias, como o péssimo domínio da pontuação (por exemplo, em textos de crítica à TLEBS). Não sei a quem interessa vender, de forma irresponsável, a ideia alarmista de que a TLEBS é para ser ensinada como uma lista de termos ou definições descontextualizada dos programas; contudo, como sou optimista, quero crer que alguns comentadores o fazem apenas por uma razão: desinformação.
Texto publicado no jornal Público de 15 de Novembro de 2006.