A Nomenclatura Gramatical Portuguesa, de 1967, foi revogada pelo art. 10.º da Portaria n.º 1488/2004, de 24 de Dezembro, que aprova a TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário). Esta é expressamente confinada aos ensinos básico e secundário. Para a generalidade dos demais falantes lusitanos, deixou assim de haver nomenclatura gramatical de referência (cfr. art. 3 da Portaria n.º 22 664, de 28.4.67). Instalou-se o vazio!
Adopta-se a inovação apenas para o básico e o secundário, e não obstante ela estar só "em experiência e em revisão" (M. H. Mira Mateus, Público, 29.11.2006), o que impede quaisquer certezas.
Força-se a inclusão nela de complicadas designações funcionais quanto a termos de há muito adquiridos, nuns casos, e inova-se em absoluto em muitos outros.
Não se distingue com clareza o que se destina aos professores e o que deve chegar concretamente aos alunos, no enquadramento mais do que equívoco das alíneas a) a e) do art. 3.º da nova portaria.
E que alguma coisa tem de chegar e de se reflectir nos programas, tem, porque se trata do ensino da língua. Com o picante de também se aniquilar de vez o ensino dela para estrangeiros...
Não é preciso ser linguista para se perceber que a TLEBS não passa do "índice" deficiente de um tratado de Linguística. Enquanto terminologia, tem erros científicos crassos. Por exemplo, e apenas quanto aos verbos:
1. Refere as três conjugações (B2.1.2), mas esquece-se de dizer qual é o tema (em "a", em "e" e em "i") que respeita a cada uma delas. Ficará à vontade do freguês?
2. Fala em verbo auxiliar da passiva (B3.1.4) e em complemento agente da passiva (B4.3.3), mas não inclui a voz activa e a voz passiva.
3. Fala em "tempo-modo-aspecto", em tempos simples e em forma nominal (B3.1.3), bem como em verbo auxiliar dos tempos compostos (B3.1.4), mas omite a enumeração concreta, quer dos modos (indicativo, conjuntivo, etc.) quer dos tempos simples e compostos (presente, pretérito perfeito, pretérito imperfeito, futuro, etc.).
Será isto uma terminologia de acordo "com o desenvolvimento da Linguística enquanto ciência", como se diz no preâmbulo da portaria? O que é que os professores vão tomar como referência? A nomenclatura de 1967? Não podem, porque está revogada. A TLEBS? Não podem, porque ela não inclui esses termos!
Será por circulares e instruções em CD- -ROM que o ministério vai resolver o problema destas falhas clamorosas? Terá consciência do incomensurável ridículo em que incorre se integrar as lacunas da nova lei por recurso àquela que acaba de ser revogada? Que seriedade há nisto?
E quem é que afinal tem competência? Os linguistas que fizeram e defendem a peça? Ou os muitos linguistas e os milhares de professores de português que se lhe opõem e não foram ouvidos? Ou até o cidadão comum, a quem bastam o bom senso e o recurso a noções da antiga escola primária?
Mas escutemos vozes insuspeitas de tribunos da TLEBS.
O presidente da Associação de Professores de Português, Feytor Pinto, confessa que "a APP não sabe ainda se esta terminologia é a terminologia de que o sistema educativo tem necessidade" (JL/Educação, 22.11.2006).
Não sabe? Isto basta para justificar a suspensão imediata da TLEBS e para considerar um grotesco contra-senso a preparação de manuais que a tomem como referência.
O presidente da Associação Portuguesa de Linguistas, João Costa, fala de resultados que já estão à vista: "Infelizmente, a TLEBS foi "despejada" sem critério nalguns dos novos manuais, mas estes não são os documentos de referência para o professor" (Público, 15.11.2006).
Só por puro jesuitismo poderá entender-se que um manual seja referência apenas para os alunos. E será normal ter-se de lhes explicar que tanto o autor do livro como o professor que o manda utilizar não passam de ineptos?
Se antes havia problemas, agora vai haver muitos mais. Quod erat demonstrandum.
O ministério não pode forçar os professores de português a uma "licenciatura" em Linguística feita a martelo. E muito menos pode tratar os alunos como cobaias descartáveis. É a sua preparação para a vida que está em jogo.
Os escritores, regra geral, não são linguistas. Conhecem e aplicam a gramática, sem precisarem de acólitos científicos. Não têm medo das palavras difíceis. Não têm nada contra a investigação e a ciência. Mas têm a responsabilidade especial de salvaguardar a dignidade e a qualidade da sua língua e do imenso património nela constituído, que estas inovações irreflectidas se propõem sabotar por impedirem a normal aprendizagem dela na escola. E são também cidadãos e pais, atentos às dificuldades e aos problemas do ensino que, em Portugal, são terríveis. Têm o direito e o dever de dar a sua opinião.
A sobranceria corporativa e despeitada de alguns linguistas autopromovidos a vestais só lhes fica mal. Desautoriza todos os professores que não saiam da sua coutada. E mostra que eles, tão preocupados com a semântica das frases, afinal ainda não perceberam do que se está a falar.
Pois queiram registar, de uma vez por todas, que é dos ensinos básico e secundário! E que, para recorrer a tempos verbais que ela suprime, a TLEBS tem um pretérito de palavrosa confusão teórica, um presente de escandalosa deficiência pedagógica e um futuro que só pode ser um lindo enterro.
In Diário de Notícias do dia 6 de Dezembro de 2006.