Tenho sido contactado por alguns professores a propósito da TLEBS. A TLEBS é a Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, adoptada pela Portaria n.º 1488/2004, de 24 de Dezembro, que só deveria entrar em vigor após três anos de duração da experiência pedagógica. Mas, em Março deste ano, o Ministério da Educação enviou às escolas uma circular determinando que a TLEBS constitua uma referência no tocante às práticas lectivas, à concepção de manuais e aos documentos produzidos em matéria de ensino e divulgação da Língua Portuguesa.
A TLEBS baseia-se numa linguagem técnica de acesso difícil e em conceitos que não fazem parte da gramática tradicional e são desconhecidos da maioria dos professores. Assenta em critérios sintácticos que se sobrepõem aos critérios semânticos em termos radicalmente novos.
Três exemplos:
Deixa de se falar em "orações" para se falar em "frases". Basta lembrarmo-nos de que toda a gente tem interiorizado que a frase pode ser formada por uma ou mais orações para se ver a confusão que tal inovação pode causar.
Os complementos circunstanciais passam a chamar-se "modificadores" (preposicionais, adverbiais, frásicos), o que afasta logo a compreensibilidade imediata que tinham designações tradicionais como as ligadas ao tempo, modo e lugar.
A conjunção é definida como "palavra invariável, pertencente a uma classe fechada de palavras que não desempenha função sintáctica na frase a que pertence e que, no caso de introduzir um grupo nominal, obriga a que esse grupo nominal apresente caso nominativo". Compare-se com a definição de Celso Cunha e Lindley-Cintra "Conjunções são os vocábulos gramaticais que servem para relacionar duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração."
Não há nenhuma gramática portuguesa que assente na TLEBS. Não há nenhum professor do básico ou do secundário que a conheça bem. Haverá pouquíssimos materiais didácticos que a utilizem. Numa altura em que se pretende evitar o acréscimo de despesas das famílias com os livros escolares, está-se a ver onde é que isto pode levar!
Segundo a portaria, a divulgação da TLEBS devia "ser complementada com a concretização de medidas e acções adequadas, de apoio e reforço da sua utilização, nomeadamente ao nível da formação de professores e da publicação de documentos, teóricos e práticos, que a informem, científica e pedagogicamente".
Mas dizem-me que nenhuma estratégia de informação e de apoio documental foi concretizada, excepto a disponibilização de uma base de dados em CD- ROM com informação indiferenciada para ser aplicada no básico e no secundário.
Chegam-me também comentários deste género:
1. O facto de, praticamente, todas as definições terem na base o critério sintáctico em detrimento do critério semântico usado na corrente tradicional, bem como o de a reclassificação de diversas classes de palavras ter sido feita com base nos mesmos critérios, tem pesadas consequências, a nível pedagógico, dificultando a compreensão, a interiorização e o reconhecimento dessas mesmas classes.
2. A base de dados enviada às escolas é um mero instrumento teórico, distante dos fenómenos concretos do funcionamento da linguagem e das realidades vividas no dia-a-dia do ensino, dificilmente estruturável em comportamentos didácticos e em materiais pedagógicos renovados e concretos.
3. A TLEBS introduz uma mudança radical nos conceitos utilizados no ensino, está a ser de difícil aceitação e utilização pelos professores e é de prever que a confusão gerada seja enorme e os resultados no ensino do português ainda mais negativos. Até certa altura, os alunos aprenderam de acordo com o modelo gramatical; depois, serão confrontados com outro modelo.
4. Segundo a circular do Ministério, «a TLEBS assume a abertura como um dos seus princípios de constituição, o que significa que deixa em aberto a possibilidade de futuras alterações consistentes, cabendo à DGIDC promover a sua revisão e a necessária actualização periódica». Não só se desactualiza assim tudo o que existe já disponível para o ensino da língua, como a revisão e actualização periódica acarretam mais uma perigosa garantia de instabilidade.
Não sou professor, mas os professores que me contactaram merecem-me toda a credibilidade. Se as coisas são assim, ter-se-á a ministra da Educação apercebido da catástrofe? Terá visto bem a prenda que o Pai Natal pôs no sapatinho da língua portuguesa?
Artigo publicado no "Diário de Notícias" de 21 de Dezembro de 2005