Nos últimos meses de 2006 ficou amplamente demonstrado que a TLEBS [Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário] é um crime contra a língua portuguesa e contra o ensino e a aprendizagem dela. Fala-se muito da estratégia de Lisboa, da formação e da melhoria das qualificações dos estudantes portugueses, com vista a uma maior competitividade no espaço europeu. Mas, com a TLEBS, ficando em risco uma correcta aprendizagem da língua, em risco fica também a das outras disciplinas, nomeadamente das científicas, e todas aquelas excelentes intenções virão a transformar-se em letra morta. Sem falar, porque disso já muito se falou, nos prejuízos advenientes para a cooperação na área do ensino com os outros países de língua portuguesa, para a harmonização terminológica com o sistema brasileiro, para o ensino do português a estrangeiros.
No nosso sistema de ensino, as situações de desigualdade inaceitável crescerão como cogumelos. O regime experimental consagrado deixa a sua aplicação, em grande medida, dependente do critério dos professores. Ora a adesão, e mesmo a simples compreensão das novas regras, por parte dos professores, criam um universo de enorme heterogeneidade de comportamentos, de ritmos variáveis de aplicação, de processos de manuseamento desajustados e de metodologias equívocas de ensino. De maneira que, em termos de avaliação ou exame dos aproveitamentos escolares no fim de cada ano lectivo, não poderá haver critérios-padrão. E, sendo assim, os alunos serão colocados ante situações de clamorosa injustiça que corresponderão a uma efectiva desigualdade perante a Lei. O sarilho será de uma extensão e de uma complicação indescritíveis. Nenhum tribunal a que os pais dos prejudicados recorram poderá ignorá-lo.
Não se percebe por que razão o Ministério da Educação não suspendeu ainda a aplicação da TLEBS. Sabe-se que há a intenção de organizar uma conferência sobre o assunto. Mas uma conferência, podendo talvez fornecer perspectivas de enquadramento úteis, não resolve questões especializadas. Uma terminologia gramatical deve ser estabelecida por especialistas que sejam capazes de assumir por ela a responsabilidade.
Foi assim em 1967, com o Prof. Paiva Boléo a fazer o anteprojecto e, depois, a presidir à comissão que fixou a nomenclatura gramatical.
O Ministério da Educação deveria nomear já uma comissão de peritos, de reconhecida competência e de orientação científica diferente daquela que inspirou a TLEBS, conferindo-lhe o mandato de rever e corrigir a terminologia e de apresentar um anteprojecto no mais curto espaço de tempo. Enquanto esse resultado não for atingido (e não o será sem surgirem novas gramáticas, como salientou João de Andrade Peres), a única solução coerente será repor provisoriamente a vigência da nomenclatura de 1967.
Faço notar que atacar a incompetência que os serviços do Ministério revelaram em tudo isto não é atacar ou desprestigiar as vozes ou o trabalho científico muito respeitáveis de figuras universitárias que parece defenderem a TLEBS, por muito que a sua intervenção venha dando lugar a discordâncias.
É certo que essas vozes académicas, revelando nisso algum autismo, vêem menos a realidade do que a consagração na TLEBS, bem que defeituosa, descoordenada e atabalhoada, das suas próprias teorias científicas, o que poderá deixá-las pouco à vontade na matéria. Mas, bem vistas as coisas, o que elas defendem, no fundo, é a necessidade de revisão da nomenclatura de 1967, não propriamente o inconcebível instrumento aprovado pela Portaria n.º 1488/2004 e a que este Governo já voltou, coonestando-o, pela Portaria n.º 1147/ /2005, de 8 de Novembro. Porque esse instrumento, como se vê das entrelinhas de quanto essas mesmas personalidades têm dito e escrito, não é satisfatório enquanto tal, mas sim um esboço de sistema in progress que carece ainda de ser testado e revisto.
Quando um produto é perigoso para a saúde pública, logo as autoridades o mandam retirar da circulação e venda. A situação é parecida. A TLEBS é um composto de alta perigosidade para a "saúde pública" escolar, como já foi demonstrado de inúmeras maneiras, no plano científico, no plano jurídico, no plano pedagógico e no plano prático. Por muito que isso custe ao Governo, a solução está à vista e não há mais nenhuma. E é o interesse nacional mais abrangente que está em jogo.
O pior cego é aquele que não quer ver. Em política, e muito especial em política de educação, isso paga-se muito caro.
in DN de Janeiro de 2007.