A TLEBS [Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário] só deveria entrar em vigor após três anos de experiência pedagógica.
Todavia, em Março de 2005, no mesmo mês em que o Governo Sócrates entrou em funções, mas ainda antes, o Ministério [da Educação] enviou às escolas uma circular, que já aqui citei por mais de uma vez, determinando que a TLEBS constituísse uma referência no tocante às práticas lectivas, à concepção de manuais e aos documentos produzidos em matéria de ensino e divulgação da Língua Portuguesa.
Ia-se irresponsavelmente longe de mais em matéria de experiência pedagógica. Na prática, organizava-se tudo para que a TLEBS entrasse logo em vigor. Com o absurdo de a «experiência» implicar desde logo a concepção de manuais...
O mais elementar sentido de responsabilidade de qualquer alto funcionário imporia se aguardasse mais uns dias ou umas semanas, até que a nova ministra pudesse decidir conscientemente em matéria de tamanha complexidade.
Vasco Teixeira, presidente da APEL [Associação Portuguesa de Editores e Livreiros], confirma que o Ministério, não só então, mas posteriormente, induziu os editores a prepararem manuais em conformidade (DN, 23-11-2006). Face a isto, vê-se também do “DN” que o adjunto da ministra, Ramos André, mete os pés pelas mãos.
E isto quer dizer que alguém se terá aproveitado da situação de transição entre governos para criar um facto consumado...
Consta agora que nada menos de 15 mil professores pedem a aplicação da nova terminologia. É falso.
Os professores foram ouvidos no processo de preparação da TLEBS, mas com vista à detecção de necessidades e lacunas.
Não podiam pedir a aplicação de algo que ainda não existia e cuja formulação final não podiam conhecer.
E tanto é assim que esse envolvimento de 15 mil professores vem referido... exactamente no preâmbulo da portaria!
Se agora se invoca a posição deles, completamente descontextualizada, é lícito supor que alguém estará a utilizar abusivamente documentação por aqueles assinada e colhida nessa fase para persuadir o Governo de que o processo é irreversível.
Incidentalmente, anote-se que Helena Soares (“Público”, 17-11-2006) diz resultar a TLEBS «de um trabalho de nove anos que envolveu 15 mil professores de Português». Qualquer leitor desprevenido é induzido a crer que uma portentosa legião de cérebros interveio activamente na elaboração das soluções consagradas na TLEBS. Ora, se Helena Soares tivesse feito a 4.ª classe na escola de antigamente de que fala com tanta displicência, teria ficado mais apta a ler e a reproduzir correctamente o preâmbulo da portaria, onde se refere «um conjunto de acções, amplamente participadas (foram envolvidos cerca de 15 mil professores dos ensinos básico e secundário), com vista à identificação de necessidades e lacunas»...
Mas quem é que está envolvido em tudo isto?
Quem fez parte da comissão, do grupo de trabalho, do núcleo produtor, do que quer que seja que um belo dia deu à luz a TLEBS? Ninguém?
Quem cozinhou uma coisa que se diz não obedecer a nenhuma teoria linguística específica não se apresenta?
Quem avaliza academicamente a cientificidade, a coerência e o rigor dessa culinária de compromissos sumiu-se?
Quem a conferiu na perspectiva dos ensinos básico e secundário, lhe deu a sua concordância, informou superiormente sobre ela e a levou a despacho do Governo é uma entidade difusa, obscura ou incógnita?
Quem analisou a coordenação do seu conteúdo com os restantes aspectos do ensino do português evaporou-se?
Quem ponderou os seus inconvenientes face à aprendizagem de línguas estrangeiras e à cooperação com os países de língua portuguesa desapareceu?
Quem decidiu mandar aplicar a nova terminologia por circular fica no anonimato?
Quem vai aferir progressivamente os resultados não tem rosto?
Quem certifica os novos manuais, em matéria tão confusa, não sai de um limbo turvo?
Quem anuncia a revisão periódica da TLEBS, mesmo que isso contrarie a validade dos livros escolares por seis anos, foi pregar a outra freguesia?
Quem previu a maneira como as crianças que começaram a aprender com uma terminologia vão passar a ter de utilizar outra não se assume?
De quem se trata afinal?
São sombras de recorte fantasmagórico? Funções predicativas? Ectoplasmas? Modificadores? Enteléquias? Disjunções? Lobisomens? Meras frases entrechocando-se à solta no espaço virtual? Espectros? Mónadas desgovernadas? O fantasma da ópera? Elfos vagueando ululantes pela calada das noites sem luar?
Não, senhora ministra. A culpa não é sua.
Mas, agora, a responsabilidade é.
Artigo publicado no "Diário de Notícias" de 29 de Novembro de 2006.