O estudo científico, ou a filologia moderna, tem revelado novos aspectos gerais, que podem ser adaptados ao nosso vernáculo. Nem sempre o que foi dito pelos clássicos é absolutamente puro; e podemos opor-lhes o nosso critério para o que for consentâneo e justo à inteligência da linguagem. Quer no aspecto etimológico, sintáctico, ou semântico, as modificações hão-de surgir naturalmente no conceito dos povos acerca dos factos idiomáticos.
Esta liberdade de reforma é moderada pela gramática, que acompanha de perto a língua, e diminui as mesnadas de erros da maioria. A gramática não faz estilistas, mas é uma espécie de terror, necessário aos escritores.
O evolver da língua deve fazer muitas concessões aos cultores modernos do português. Como refere João Ribeiro, «pouco valerá a razão de que a língua se acha constituída; o carácter mesmo de todas as línguas é ser um superorganismo em progresso ou em decadência, e sempre em movimento.»
Cândido de Figueiredo, na resposta à crítica de Heráclito Graça, desfaz algumas vezes na autoridade de Filinto, Camilo, Adolfo Coelho e Garrett, quando é sabido que alguns destes foram iniciadores do renascimento, da maleabilidade da língua portuguesa.
Garrett e Camilo, podemos dizer, tiraram a gravidade do português e provaram a sua leveza e fartura, ora despertando a solenidade, ora a criabilidade do idioma lusitano, como fez sobretudo Camilo, que, depois de Vieira, deve ser considerado o malabarista mais ágil do vocabulário português.
Essa reacção foi desvirtuada pelo génio cintilante de Eça de Queiroz, e pelas ousadias brilhantes de Fialho de Almeida.
Felizmente Ramalho Ortigão, em sua sobriedade e elegância, ateve-se mais ao regime dos puros, mas cedeu ao francesismo, a fim de não fugir à moda do seu tempo. Eça, que foi um dos maiores artistas contemporâneos, e que provou exuberantemente a gracilidade da língua, a sua pouca barbaria, fugindo da ênfase e seduzindo toda a mocidade portuguesa e brasileira com o seu estilo simples e elegante; Eça, dizia eu, poderia ter sido, pelo seu génio, o iniciador da moderna fase da língua vernácula, se não vivesse tão dominado pela influência francesa, e a tal ponto que motivou a frase do conhecido crítico português: «é pena que este rapaz escreva as suas obras em francês.»
Sem exagero de patriotismo podemos dizer que cabe, talvez, a Machado de Assis a honra que Eça de Queiroz não soube lograr, um dos raros escritores da língua portuguesa que, pela sobriedade helénica do estilo, é comparável a Renan e a Anatole France.
A ênfase, porém, é a maneira habitual dos escritores de além e de aquém mar, que manejam o português, e é muito difícil agradar à maioria dos leitores em nosso idioma, sem a ênfase e, às vezes, sem a barbaria. É, possivelmente, condição do nosso meio, da nossa civilização, do tropicalismo da nossa imaginação, do nosso gosto literário. Entre nós a simplicidade se confunde com a trivialidade, e ai do escritor que não provar exuberância de imaginação, ou riqueza de vocabulário!
Da Rev. da Acad. Bras. de Letras, nº. 13, Rio, Abril de 1920, págs. 111 e ss., in "Paladin