Sentir, tu o sentes; ou cantar, tu o cantas,
Salício1: e em-quanto a doce voz levantas.
Tudo arde em fogo, em tudo amor se sente.
Só Flérida2, e Amor a ela obediente,
Ao vivo fogo teu, lágrimas tantas,
Aos grandes versos com que o Mundo espantas,
Olhos e ouvidos cerram cruelmente…
Por ventura que em-quanto à estrangeira
Língua entregas teus doces acentos
Não é tua voz com tanto efeito ouvida…
Dá pois à dor sua língua verdadeira,
Dá os naturais suspiros teus aos ventos,
Por ventura será tua dor mais crida.
1 Salício é Pêro Andrade de Caminha.
2 Flérida é D. Francisca de Aragão, formosa dama também cortejada por Camões e que afinal veio a casar-se com um embaixador de Espanha, desmentindo assim as conjecturas patrióticas do bom Ferreira, «da língua amigo».
Fonte
Poemas Lusitanos, in Paladinos da Linguagem, vol. I, Lisboa-Paris, Aillaud & Bertrand, 1921, p. 29 (manteve-se a grafia da fonte utilizada)