Não te contentes (…) com as noções elementares deste compêndio (1); sirvam-te somente de guia para leres os bons autores, que desde 1500 fixaram e aperfeiçoaram a língua, e começaram a escrever tão cultamente, ao menos os seus dramas, como os Italianos, que primeiro o fizeram na Europa moderna, antes que os Franceses, Ingleses e outros tivessem poetas correctos e elegantes, nem historiadores e oradores dignos de se lerem, como os nossos Castanheda, Barros, Couto, António Pinto Pereira, Lucena, Diogo de Paiva d'Andrade, Gil Vicente, Francisco de Sá Miranda, António Ferreira – e a imortal Lusíada, tão superior aos nossos épicos em invenção, grandeza e interesse do assunto, elegância, pureza e majestade de estilo, e tão justamente invejada do grande Tasso. Deles tirei os exemplos que te propus, neles te exercita. Conversa-os de dia e de noite, porque, se basta o estudo de um ano para saberes meamente um idioma estrangeiro, quando quiseres saber a língua pátria perfeita e elegantemente, deves estudar toda a vida e com muita perfeição os autores clássicos, notando principalmente as analogias peculiares ao génio do nosso idioma.
E deste modo poderás imitá-los, não repetindo sempre servilmente as suas palavras e frases, e remendando com elas as tuas composições, como alguns têm feito, mas dizendo coisas novas sem barbarismos, sem galicismos, italianismos e anglicismos, como mui vulgarmente se lêem, e mais de ordinário nas traduções dos pouco versados nas línguas estrangeiras, e talvez menos ainda na sua...
(1) Refere-se ao Epítome da Gramática Portuguesa.
In "Paladinos da Linguagem", vol. III