Divertimento com sinais ortográficos - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Divertimento com sinais ortográficos
Divertimento com sinais ortográficos
poema de Alexandre O'Neill (1924-1986)

O poeta português Alexandre O'Neill (1924-1986) é o autor desta conhecida sequência de poemas-comentário, em tom lúdico, sobre os sinais ortográficos. Apresenta-se uma adaptação em vídeo, seguida da transcrição parcial do poema.

 

 

 

?
Serás capaz
de responder a tudo o que pergunto?

?
Gosto de quem responde
antes de perguntar...
 
 ,
Quando estou mal disposta
(e estou-o muitas vezes...)
mudo o sentido às frases,
complico tudo...
 
 ¨

Frequento palavras estrangeiras

Já vivi em saudade,
mas expulsaram-me
(p'ra sempre?...)
da língua portuguesa.

 §
 Tenho colo de cisne e corpo de hipocampo.

 ^
Se me puseres
serás a mais bonita das mulheres...

ç
Uma vírgula rebaixada
à condição de cedilha.

!
Não abuses de mim

( )

Quem nos dera bem juntos
sem grandes apartes metidos entre nós!

~
... Desafio um francês a possuir-me
quando estou, por exemplo, em coração...

~
Sou mesmo útil!

.
Que eu saiba
só em Éluard sou único e final.

~
Em certas caligrafias quase voo
como uma andorinha destelhada...

~
Noutras,
sou uma sobrancelha franzida.

:
Introduzimos, por vezes,
frases nada agradáveis...

~
Para ladrar, o cão
não precisa de mim!

?
Como uma orelha, abro-me
sobre um silêncio embaraçado...

-
Que nos separa, Amor, um traço de união?...

...
Em aberto, em suspenso
fica tudo o que digo.

E também o que faço é reticente...

Fonte

in Abandono Vigiado (1960), de Alexandre O'Neill, Poesias Completas, Assírio & Alvim, 2002.

Sobre o autor

Alexandre O'Neill (Lisboa 1924 – Lisboa, 1986) foi poeta e um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa. Desvincula-se do grupo a partir de Tempo de Fantasmas (1951), expressando o seu desagrado pelo rumo decadente em que o surrealismo mergulhara. A publicidade foi a maneira menos trabalhosa de ganhar sustento que o poeta encontrou, apesar de não criar nenhum vínculo afetivo com esta profissão. Fez da pátria e da crítica os seus temas mais constantes na poesia, editando, assim, A Ampola Miraculosa (1948), Poemas com Endereço (1962), Feira Cabisbaixa (1965), Portogallo Mio Rimorso (1966), Uma coisa em forma de assim (1985).