Da calma e do silêncio - Antologia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Da calma e do silêncio
Da calma e do silêncio
Quando eu morder
a palavra,
por favor,
não me apressem,
quero mascar,
rasgar entre os dentes,
a pele, os ossos, o tutano
do verbo,
para assim versejar
o âmago das coisas.
 
Quando meu olhar
se perder no nada,
por favor,
não me despertem,
quero reter,
no adentro da íris,
a menor sombra,
do ínfimo movimento.
 
Quando meus pés
abrandarem na marcha,
por favor,
não me forcem.
Caminhar para quê?
Deixem-me quedar,
deixem-me quieta,
na aparente inércia.
Nem todo viandante
anda estradas,
há mundos submersos,
que só o silêncio
da poesia penetra.
 
Fonte

in Conceição Evaristo, Poemas da Recordação e Outros Movimentos (Belo Horizonte: Nandyala, 2008). Sobre esta autora, ler "A escritura existencial de Conceição Evaristo", de Roberto Lota (mural Língua e Tradição, 12/09/2025, Facebook).

Sobre o autor

Escritora, poetisa e ensaísta brasileira nascida em 1946, em Minas Gerais. É considerada uma das vozes mais expressivas da literatura afro-brasileira contemporânea. Além de romances e livros de contos, é autora também conhecida pela sua poesia ancorada na memória individual e coletiva. Temas transversais em toda a sua produção escrita são a discriminação de raça, de género e de classe. Distinguida em 2018 pelo conjunto da sua obra com o Prémio Governo de Minas Gerais de Literatura, em 2019 recebeu o Prémio Jabuti de Personalidade Literária do Ano e, em 2023, o Troféu Juca Pato atribuído pela União Brasileira de Escritores. Participa ativamente na valorização da mulher negra, da diversidade e da cultura afro-brasileira.