Os jornais multiplicam-se em opiniões sobre a degradação da língua.
Uma nação a cair – e a nação portuguesa sem um Estado digno do nome dificilmente evita uma crise grave – inclui uma língua a degradar-se. A ordem dos factores é essa.
Seguindo a França, Portugal pretendeu ser também feito de palavras. São estas que estão a perder-se, a perder o rigor, tal como acontece aos portugueses.
A excitação que tem percorrido e conduzido a sociedade é, toda ela, uma manifestação de oposição ao classicismo, ao que era adquirido, ao estilo – embora essa oposição seja feita em nome de mil «estilos».
Minada a razão, rejeitada a ordem, sem que outros valores e gostos engrandecidos lhes tomassem, naturalmente, os lugares, a língua teria de ser banalizada. E como a lógica também foi alterada, teríamos de, ao escrever e ao falar, procurar o vazio, o impreciso, em busca de nova hierarquia que, quando tem conseguido aflorar, não consegue firmar-se, tantas são as suas imprecisões.
Vivemos numa escala de erros. Como seria possível escrever sem eles? Mesmo os que lutam contra a degradação e a vulgaridade fazem-no com sarcasmo porque este é, ainda, um sinal de vida perante a mortal iliteracia.
Deseja-se melhorar o português nas escolas. Mas como, se não há uma razão, um estilo, uma emoção nacionais fora das escolas?
Sem dar à Nação o que se lhe deve — a começar pela dignidade do Estado —, não se vê como travar a degradação da língua.
In "Os Dias de Amanhã", Contexto Editora, Lisboa, 1999