Devia falar de letras, começo por números. Apenas 40 por cento de moçambicanos falam português. E falam-no como segunda língua. Só 3 por cento têm no português a sua língua materna.
O idioma português não é a língua dos moçambicanos. Mas, em contrapartida, ela é a língua da moçambicanidade. Há 30 anos, a Frente de Libertação de Moçambique, ainda na guerrilha anticolonial, viu no idioma lusitano uma arma para a unificação do país e a construção da Nação. Aquele instrumento que servira a dominação colonial se convertia, nas mãos dos nacionalistas, no seu contrário - um troféu de guerra, um pilar de afirmação.
Em 1975, cerca de 80 por cento dos moçambicanos não falavam português. A popularização da língua é obra da independência e os números com que abro este texto devem ser lidos nessa tendência de mudança.
Mas esta apropriação da língua nacional coloca em risco as mais de 30 línguas indígenas dos diferentes grupos étnicos. Como garantir um convívio sem hegemonia? Existem sinais salutares de experiências de ensino bilingue. Contudo, o destino das línguas é governado por outras, mais profundas razões.
Todos os escritores moçambicanos escrevem em português. Fazem-no porque sentem em português, vivem em português. Porém, é já um português outro, uma língua afeiçoada à cor e à textura da nação moçambicana. Talvez essa seja uma resposta.
Texto publicado na antologia galega "Do músculo da boca", Ed. Encontro Galego no Mundo, Santiago de Compostela, 2001.