Qualquer estrangeiro pode traduzir com facilidade e presteza na sua linguagem todo o pedaço de prosa dos nossos bons autores, visto ser a sintaxe da nossa língua mui natural e correcta, sem a imensidade das inversões que vemos nos outros idiomas antigos e modernos, circunstância que os faz de difícil acesso a quem neles pretende ser instruído, e obsta à sua propagação…
Em uma língua tão abundante de simulcadências em todo o género, como a portuguesa, não há necessidade que obrigue a deixar o uso da rima, a qual parece essencial ao nosso verso; e o não usar dela pode ser reputado por fraqueza, e temor de não poder ir pelo caminho que os nossos avós com tanta glória frequentaram. Nem concluem nada os que dizem ser a rima um pesadíssimo grilhão para exprimir com felicidade os conceitos, pois só o pode ser aos que sem engenho, e sem o conhecimento profundo da língua, intentam poetar…
A doçura e harmonia da língua portuguesa é manifesta, não só aos nacionais como também aos estrangeiros; e para tratar amores, e todas as mais qualidades de afectos, nenhuma se lhe iguala. Procede isto não só do génio da Nação Portuguesa, por ser naturalmente inclinada à paixão do amor, e mui desejosa de o publicar em frase de extrema suavidade, mas também por ser a língua mui cheia de rimas de suavíssima harmonia, e letras consoantes de mui doce pronunciação, como bb, dd, ll, mm, nn, ss, zz.
Obras Poéticas, in Paladinos da Linguagem, vol. I, Lisboa-Paris, Aillaud & Bertrand, 1921, pp. 129-130 (manteve-se a grafia original da fonte utilizada)