Com o Acordo Ortográfico, aumentou o número de palavras que se escrevem de forma diferente, sustentava Maria Regina Rocha, em "A falsa unidade ortográfica". Número rebatido por Jorge Candeias em artigo saído em 25 de fevereiro de 2013 no jornal “Público”, onde afirma: «A convergência bate a divergência com uma vantagem de mais de cinco para um. E à tão badalada “cedência ao Brasil” corresponde uma “cedência a Portugal” ligeiramente mais numerosa». Segue-se o texto, transcrito na íntegra.
A regra mais básica para quem quer discutir as coisas com um mínimo de seriedade é não falsificar dados. Logo a seguir na escala das regras indispensáveis vem esta: não selecionar os dados que convém, fingindo que os outros não existem. Vem isto a propósito de (…) Maria Regina Rocha, (…) consultora do Ciberdúvidas e que terá feito um "estudo", publicado no “Público” [“A falsa unidade ortográfica”] e muito publicitado pelos opositores à modernização ortográfica, onde pretensamente "prova" que a unificação ortográfica, longe de unificar a ortografia, aumenta a divergência.
Segundo ela própria afirma, chegou a tal fantástico resultado pegando nas tabelas do Vocabulário da Mudança e contando, manualmente, os casos em que a grafia converge ou diverge. Não todos, note-se. Só aqueles que, segundo ela, não são em número "residual" ou não afetam principalmente a grafia brasileira. Está logo aí violada a segunda regra indispensável de que falo acima. Mas adiante.
Pondo de parte que a unificação ortográfica de que se fala e se pretende seja passar a haver um único documento a definir a ortografia do português no lugar dos dois atualmente existentes, para o que os detalhes da mudança são pouco mais que irrelevantes, o facto de MRR começar por violar as regras básicas de qualquer estudo intelectualmente honesto deixou-me desconfiado dos números que apresenta. Portanto fui verificá-los, tratando eu próprio os dados.
Ao contrário dela, não fiz as contas à mão nem amputei os dados. Importei as tabelas completas do Vocabulário da Mudança para uma folha Excel e depois, recorrendo a algumas fórmulas simples, comparei a ortografia portuguesa pré-AO, a brasileira pré-AO e a moderna. Soube assim quais as palavras que tinham ortografia divergente (tanto quando o era totalmente e a(s) forma(s) usadas em Portugal e no Brasil eram diferentes, como quando o era parcialmente, quando existiam duplas grafias com uma ou mais formas em comum e outras só usadas de um dos lados do Atlântico), quais as que a tinham igual, e quais as que hoje têm grafias múltiplas. De seguida averiguei quais os casos de convergência, de divergência, e quais os casos em que grafias antigas divergentes são hoje grafias múltiplas.
E não me surpreendeu verificar que os números de Maria Regina Rocha não batem certo. Surpreendeu-me, sim, verificar até que ponto.
A verdade é a seguinte:
• O Vocabulário da Mudança contém um total de 6573 vocábulos.
• Entre esses, contam-se 3703 casos de grafias anteriormente divergentes que hoje são duplas (por vezes múltiplas).
• Contam-se 1400 casos de grafias anteriormente idênticas que continuam a ser idênticas, embora diferentes.
• Contam-se 1249 casos de convergência, grafias anteriormente diferentes que passaram a ser iguais.
• Contam-se 221 casos de divergência, palavras que anteriormente se escreviam de forma igual mas passaram a aceitar dupla grafia.
• Entre as convergências, são 616 as que se fazem para a antiga norma portuguesa. E 613 as que se fazem para a antiga norma brasileira. Há ainda 20 casos de convergência para uma ortografia inexistente antes do AO90.
Leram bem. A convergência bate a divergência com uma vantagem de mais de cinco para um. E à tão badalada «cedência ao Brasil» corresponde a uma «cedência a Portugal» ligeiramente mais numerosa.
Toda esta discussão em volta do Acordo Ortográfico seria bastante mais produtiva se houvesse mais amor pela verdade. É pena que, tantas vezes, ele seja escasso.
transcrito do jornal "Público", de 25 de fevereiro de 2013.