Artigo transcrito da edição digital do Expresso do dia 27/03/2014, em que o autor comenta o caso de um juiz, em Portugal, que, discordando do Acordo Ortográfico, recusou receber um relatório dos serviços prisionais relativo a um recluso, por estar escrito conforme a norma oficialmente seguida no país desde 2009 – o que lhe valeu, agora, um processo disciplinar da hierarquia competente.
O juiz que se tornou famoso no caso 'Casa Pia' vai ser alvo de um processo disciplinar do Conselho Superior da Magistratura. Isto por – de forma arrogante, não há outro modo de o dizer – , ter recusado um relatório da Reinserção e Serviços Prisionais, em Abril de 2013, alegando estar aquele escrito de acordo com as normas do novo Acordo Ortográfico. Mais, o juiz ameaçava de multa aqueles serviços caso não refizessem o relatório.
Como muito bem salienta o Conselho Superior, se nenhum juiz é obrigado a escrever ao abrigo do acordo, também nada o autoriza a impor a grafia prévia ao acordo.
Mas eu gostava de me centrar na ignorância do juiz. E reparem que é uma ignorância factual, indiscutível, própria de quem não perdeu um minuto a averiguar a verdade. O que num juiz é assaz preocupante.
No mesmíssimo despacho que lhe vale o processo disciplinar, escreve Teixeira: «Nos tribunais, pelo menos neste, os factos não são fatos (...) os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso».
Ora Rui Teixeira, se dedicasse três minutos a verificar o que escreveu saberia que:
1. As palavra proparoxítonas (ou seja, esdrúxulas) não perdem nunca o acento, pelo que cágado é escrito da mesma forma antes e depois do Acordo.
2. As consoantes que se leem, como é o caso de o c na variante portuguesa da palavra facto, mantêm-se (optando pela dupla grafia com o Brasil). Pelo que, em nenhum tribunal do território nacional facto será equivalente a fato.
Ou seja, não se podendo dizer que Rui Teixeira perdeu uma boa oportunidade de estar calado, porque o despacho foi por escrito, revelou bem aquela velha máxima, segundo a qual a ignorância é muito atrevida.
texto de opinião transcrito da edição digital do semanário "Expresso" do dia 27 de março de 2014.