Notícia do semanário Expresso de 16 de Maio de 2009, a propósito da petição contra o Acordo Ortográfico, em discussão no parlamento português.
O ministro da Cultura [português, José António Pinto Ribeiro] já assegurou por diversas vezes que as alterações ortográficas, promulgadas em Julho de 2008 pelo Presidente da República [Cavaco Silva], vão entrar em vigor «seguramente» neste ano, nomeadamente com a adaptação às novas regras do Diário da República e de todos os textos oficiais. Mas, se dependesse apenas de Pinto Ribeiro, essa não seria a única alteração imediata: «O Ministério da Cultura entende que a entrada em vigor das regras do novo Acordo Ortográfico deve ser acompanhada do seu ensinamento nas escolas», refere uma nota da tutela, enviada neste mês ao deputado independente José Paulo de Carvalho, em resposta a um requerimento.
O problema é que o Ministério da Educação continua remetido ao silêncio. Há um mês que o Expresso pergunta ao gabinete da ministra Maria de Lurdes Rodrigues a partir de que data as crianças do 1.º ciclo passarão a aprender que “óptimo”, por exemplo, se escreve sem p. «Não há novidades», limita-se a dizer o assessor de imprensa. Já da parte do Ministério da Ciência e do Ensino Superior, o Expresso nem sequer obteve uma resposta.
«O ministro da Cultura tem assumido algum protagonismo nesta matéria, mas a principal competência é nossa», refere, por seu turno, a assessora do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Paula Mascarenhas, sem no entanto avançar qualquer data.
«Falta de diálogo e ausência de metodologia»
A falta de sintonia no executivo socialista relativamente a esta questão já vem de trás, assegura Isabel Pires de Lima, deputada do PS e ex-ministra da Cultura. «Enquanto eu estive no Governo, o assunto foi debatido várias vezes em Conselho de Ministros, mas não havia consenso. Vários ministros não concordavam com a assinatura do Protocolo Modificativo. Ainda assim, havia vontade política do primeiro-ministro em avançar», recorda. E a divisão parece manter-se, adianta Pires de Lima, que classifica este Acordo Ortográfico como um «chorrilho de disparates». «Acho que há falta de concertação entre os ministérios», defende.
A mesma conclusão é partilhada pelo presidente do Instituto de Lexicologia da Academia das Ciências [de Lisboa], Artur Anselmo, que afirma não haver entendimento no seio do próprio Governo. «Há prudência por parte da Educação e precipitação por parte do actual ministro da Cultura», critica o responsável. E até o parlamento já alertou para a «falta de diálogo e ausência de metodologia» entre os titulares das duas pastas, num relatório da Comissão de Ética, Sociedade e Cultura redigido em Abril. No documento lamentam-se «as contradições cada vez maiores» do ministro da Cultura nesta matéria e exorta-se o Governo «a esclarecer questões como o calendário e a metodologia de implantação nas escolas».
A polémica alteração das regras ortográficas está também a causar divisões no PS, ameaçando transformar-se num foco de tensão entre o partido e o executivo de Sócrates. «O Governo cometeu o erro de pôr este acordo em execução. É um disparate que entre em vigor», afirma Luís Fagundes Duarte, coordenador do PS para a área da Educação. Para o deputado, «o problema foi o ministro da Cultura ter avançado sem ter a retaguarda protegida a nível do próprio Governo».
Juntamente com personalidades de outras cores políticas como Vasco Graça Moura, José Pacheco Pereira ou António Lobo Xavier, o deputado, especialista em filologia e linguística, é um dos primeiros subscritores de uma petição contra o Acordo Ortográfico, que reuniu mais de 120 mil assinaturas e que será discutida [no dia 20 de Maio de 2009] no parlamento.
Para os signatários, trata-se de «uma reforma mal concebida, desconchavada e sem critério de rigor», além de «desnecessária, perniciosa e de custos financeiros não calculados».
Diplomacia em risco
Mas o problema não é de fácil solução. Estando em causa um tratado internacional já ratificado por outros países e que até já está em vigor desde Janeiro no Brasil, o não cumprimento por parte de Portugal poderia dar origem a um «delicado problema diplomático», admite Fagundes Duarte.
Não sendo, por isso, possível suspender o Acordo Ortográfico, resta a possibilidade de adiar a sua entrada em vigor. O texto que foi aprovado no Parlamento em 2008 dá um prazo máximo de seis anos para a aplicação das novas regras. Até lá, defende o socialista, deve ser formada uma comissão de especialistas, composta por filólogos, linguistas e profissionais que usam a língua como instrumento de trabalho. Só assim será possível corrigir «as muitas imprecisões, erros científicos e ambiguidades» que transformam o Acordo num «atentado à língua portuguesa».
In semanário Expresso de 16 de Maio de 2009