Agradeço ao consulente Jorge Madeira Mendes a sua contestação.
Considero que tem razão quando defende que com a expressão “um dos que” o verbo deve ir para o plural. É a regra, é a concordância sintáctica mais adequada, como referi no início da resposta que dei. O antecedente mais próximo do relativo “que” está no plural (“os”, “aqueles”), pelo que o verbo dessa oração relativa deverá ir para a terceira pessoa do plural. No entanto, quando está expresso o conjunto ao qual esse “um” pertence e se pretende salientar o termo “um” em relação ao conjunto, como nos exemplos que dei, pode acontecer que, em casos especiais, o verbo da oração relativa vá para o singular.
Embora aceite as sugestões alternativas que dá em relação às frases que eu apresentei como exemplos para tentar mostrar que em alguns casos se podia admitir o verbo no singular, penso que essas suas frases não são assim tão vulgares, pois não surgem espontaneamente, não seguem a ordem directa da construção tipo da frase portuguesa (SVO). Continuo, pois, a considerar que os exemplos que dei são admissíveis e que há situações, não só decorrentes da fluência do discurso oral (e daí eu ter referido a eufonia), mas sobretudo do sentido que se quer dar a esse “um dos (...) que”, em que o falante pretende ligar o relativo ao singular “um”, e não ao grupo ao qual esse “um” pertence. E, nesta situação, reafirmo, é admissível o singular.
Este assunto não é propriamente recente nem constitui uma descoberta dos autores que referiu (João Andrade Peres e Telmo Móia, págs. 501 a 515, e Rodrigo de Sá Nogueira, pág. 364). Trata-se de um assunto antigo, controverso, que foi objecto de tratamento já há muitos anos por diversos autores. Se autores conceituados como Epifânio da Silva Dias, Leite de Vasconcelos, Agostinho de Campos defendem que com a expressão “um dos que” o predicado da oração relativa começada por “que” deverá ir para o plural, já outros autores, como Rui Barbosa, José de Sá Nunes, M. Said Ali admitem o verbo no singular, o que leva a que isso seja registado e explicado por gramáticos como Celso Cunha e Lindley Cintra, Rocha Lima, Domingos Paschoal Cegalla ou Evanildo Bechara.
Said Ali, por exemplo, foi autor, em 1931, de uma Gramática Histórica, mais tarde reeditada com o título Gramática Histórica da Língua Portuguesa, onde refere que com a expressão “um dos (...) que” também pode ocorrer que o verbo da oração relativa concorde com o termo selectivo “um”, em vez de concordar com o antecedente que está no plural. E acrescenta que o fenómeno do emprego do verbo no singular em vez do plural na oração relativa se observa também em grego, em latim, em inglês, em alemão, em espanhol e em francês (ed. de 1966, págs. 292 e 293); e cita a Academia Francesa («L’astronomie est une des sciences qui fait le plus d’honneur à l’esprit humain») e Boileau («M. de Soubise est un de ceux qui s’y est le plus signalé»).
Os estudiosos da língua portuguesa que referi apresentam exemplos da utilização do singular em vez do plural em diversos escritores, tais como:
a) Damião de Góis: “Uma das coisas que mais me espantou desde o tempo que comecei a revolver livros foi a demasiada negligência dos cronistas destes reinos”;
b) Frei Luís de Sousa: “Esta cidade foi uma das que mais se corrompeu da heresia”;
c) Padre António Vieira: “Uma das coisas que muito agradou sempre a Deus em seus servos, foi a peregrinação...”;
d) Simão de Vasconcelos: “E uma das coisas que muito alegrou ao novo visitador foi...”;
e) Padre Manuel Bernardes: “Uma das coisas que derrubou Galba do Império foi tardar algum tanto”;
f) Júlio Dinis: “O reitor foi um dos que mais se importou com a preocupação do homem”;
g) Camilo Castelo Branco: “Acurvado sobre a mesa esconsa de seu lavor mercantil, era, aí mesmo, um dos primeiros homens doutos que escrevia em português sem mácula”;
h) Alexandre Herculano: “Um dos nossos escritores modernos que mais abusou do talento, e que mais portentos auferiu do sistema....”;
i) Aquilino Ribeiro: “O bispo de Silves foi um dos que caiu no erro funesto.”;
j) Fernando Namora: “O homem fora um dos que não resistira a tal sortilégio.”;
l) João Ribeiro: “Foi um dos poucos do seu tempo que reconheceu a originalidade e a importância da literatura brasileira”;
Assim, caro consulente, apenas poderei reafirmar que com a expressão “um dos (...) que” se deve usar o verbo no plural na oração relativa, sim, mas que em circunstâncias especiais se admite o singular.
Quanto aos restantes casos que apresenta, na sua maior parte não são controversos. Deverá dizer-se “Está sol, mas parece-me que vai chover”, “A minha filha fez vinte e um anos”, “Se a casa foi construída em 1904, tem cento e um anos”, “A telefonar, gastaste trinta e um impulsos”, “A viagem custou-me cinquenta e um escudos”. No entanto, quanto à frase “A maioria dos deputados votou”, se é verdade que a sintaxe gramatical exige o verbo no singular concordando com “maioria”(e é essa também a construção que defendo), há autores que consideram admissível a concordância com o substantivo que está no plural, como registam, por exemplo, Celso Cunha e Lindley Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo, 2.ª ed., 1984, pág. 496.