A Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS) – aprovada há dois anos e confirmada pelo actual Governo – tem como objectivo uniformizar os termos gramaticais usados no ensino. Professores, escritores e pais não lhe têm poupado críticas.
Luís Capucha, director-geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular, do Ministério da Educação (ME) [de Portugal], reconhece que a lista de termos, já adoptada nalgumas escolas, "tem deficiências". Foram designados especialistas para corrigi-la e aplicá-la do 1.º ao 12.º ano. Apesar de a generalização a todo o ensino básico e secundário ter sido suspensa, o director-geral espera que daqui a dois anos a TLEBS não seja um "corpo estranho" às escolas.
“Público” – É necessária a introdução da TLEBS no sistema de ensino?
Luís Capucha – Nos últimos anos, o ensino da gramática tem sido descurado. Há uma constatação de deficiências numa matéria que é básica: a língua materna. A totalidade dos programas de Português tem uma forte componente de ensino de textos da literatura portuguesa e este tem sido o caminho; se estivesse correcto, não teríamos problemas de literacia. Não podemos estar satisfeitos com os maus resultados dos alunos portugueses, quer nas provas nacionais quer nos estudos internacionais. A TLEBS pode ajudar a combater o insucesso. Foi esta a razão que levou um conjunto de pessoas a lançar um movimento a favor da construção de uma terminologia, para pôr cobro a uma situação de deriva terminológica.
“Público” – O que é que isso significa?
Luís Capucha – Quer dizer que não há uma terminologia consensualizada e que existem vários termos para designar as mesmas coisas e há coisas diferentes designadas pelo mesmo termo. A TLEBS tem diversos níveis de complexidade e é um instrumento científico. Provavelmente não teria feito sentido que o anterior Governo a tivesse aprovado.
Discorda dessa decisão?
Luís Capucha – Creio que o Governo PSD-CDS/PP deveria ter incentivado a construção de uma terminologia uniformizada; mas a principal missão do ME seria pegar nesse instrumento científico e transformá-lo em conteúdos passíveis de administração ao ensino.
“Público” – É isso que vai acontecer agora. Quem vai fazer esse trabalho?
Luís Capucha – Há um trabalho de correcção da lista de termos, que tem deficiências. Esse trabalho foi entregue a dois especialistas: o linguista João Costa e o professor de literatura e análise literária Vítor Aguiar e Silva, que farão a correcção e revisão final. Vamos pedir a outros dois especialistas – Olívia Figueiredo e Vítor Manuel Oliveira –, ligados ao ensino do Português, para definir que termos devem ser aplicados a cada nível de ensino.
“Público” – O trabalho terá discussão pública?
Luís Capucha – Depois de concluído, vai ser debatido e só depois haverá homologação.
“Público” – Que outras medidas vai o ME tomar?
Luís Capucha – Vamos sujeitar a TLEBS a um teste prático: saber se os alunos que aprenderam com a terminologia têm melhores resultados a Português. Vai ser já este ano que vamos fazer essa comparação, através dos exames do 9.º e do 12.º ano.
“Público” – Haverá perguntas sobre a TLEBS?
Luís Capucha – Não, porque o que é matéria de exame são os programas. Esperamos é que os alunos que tenham tido um contacto com a TLEBS tenham melhores resultados. Se isso acontecer (é provável), significa que a inclusão da terminologia está a obter os resultados desejados.
“Público” – Quando é que vai ser generalizada?
Luís Capucha – A expectativa é que o trabalho de base esteja feito em 2007/2008. A generalização vai acontecer em 2008/2009. Temos a determinação de melhorar o ensino, esperamos ter resultados, mas queremos que as coisas sejam bem feitas. Não queremos que a TLEBS seja um corpo estranho nas escolas. «Alguns erros só são identificados na prática com os alunos»
“Público” – A TLEBS ir ser corrigida significa que os alunos que estão agora a experimentá-la estão a aprender coisas erradas?
Em princípio, não. A TLEBS, tal como qualquer outra área científica, está sujeita a avanços e em boa verdade nunca haverá uma correcta. Os termos vão ser revistos, mas isso não impede que a experiência continue, porque alguns erros só são identificados na prática com os alunos.
“Público” – A formação dos docentes tem sido suficiente?
Neste momento ainda não há formação que seja passível de sustentar a introdução da TLEBS. Por isso suspendemos a sua generalização. Não valia a pena impor um instrumento com o qual as pessoas não sabiam trabalhar.
“Público” – Os materiais pedagógicos já publicados contêm erros?
Se as editoras fizeram materiais antes da revisão científica final [agora encomendada a João Costa e Aguiar e Silva], provavelmente haverá ajustamentos a fazer.
“Público” – Vai haver mudanças nos programas?
Os programas mantêm-se e se houver alterações não serão resultado da introdução da TLEBS, mas de actualizações ou de introdução de novas matérias.
“Público” – O Ministério da Educação vai organizar uma conferência. Quando?
Luís Capucha – Vai ser este ano, mas será sobre o ensino da língua portuguesa. A TLEBS não é tudo o que existe em termos de matéria de Português, é apenas um instrumento. O comissário é Carlos Reis [actual reitor da Universidade Aberta]. Esperamos que os temas abordados possam dar contributos positivos e permitam melhorar o conjunto de procedimentos e instrumentos que se utilizam nas escolas.
«A polémica ajuda a encontrar soluções mais adequadas»
Capucha dá as boas-vindas à polémica, desde que dê origem a um debate construtivo. "A língua não é uma vaca sagrada imutável"
“Público” – Artigos de opinião, abaixo-assinados... Foi a polémica à volta da aplicação da TLEBS que obrigou o Ministério da Educação a rever a posição?
Luís Capucha – Não. Estas medidas enquadram-se num conjunto de outras decisões que já vinham a ser tomadas. Estamos atentos porque não podemos ser arrogantes e pensar que temos a verdade toda.
“Público” – Em toda a polémica que rodeia a TLEBS parece haver uma divisão entre os especialistas da literatura e os da linguística. Concorda?
Luís Capucha – Não podemos entender o ensino da estrutura da língua (gramática e linguística) como matéria que se oponha ao ensino centrado na literatura, interpretação de textos ou gosto pela leitura. Pelo contrário, são instrumentos complementares. Os textos literários são instrumentos óptimos para ensinar a estrutura da língua. Queremos evitar a dicotomização do ensino da literatura e da língua.
“Público” – Uma das críticas é a de que a TLEBS poderá afastar os alunos do gosto pelo Português. Concorda?
Luís Capucha – A TLEBS é um auxiliar da gramática para que os alunos compreendam a estrutura da língua, é uma ferramenta útil para a descodificação dos textos literários.
“Público” – Depois das medidas anunciadas, acha que a polémica vai diluir-se?
Luís Capucha – Não temos de ter medo da polémica. O que gera problemas são as más soluções. A polémica ajuda a encontrar soluções mais adequadas.
“Público” – O que recomenda a quem tem tido um papel activo neste debate?
Luís Capucha – A língua não é uma vaca sagrada imutável – é um instrumento utilizado por pessoas concretas, no dia-a-dia e é nessa óptica que temos de centrar o debate. Espero que as pessoas pensem no que temos enquanto resultados aferidos; esses permitem dizer que alguma coisa tem de ser feita para que os alunos possam escrever, ler e falar melhor. A crítica deve servir para uma melhoria do ensino, porque aquilo que tem acontecido não é bom.
in "Público" de 6 de Janeiro de 2007