O Estado português está a tratar a questão da Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário (TLEBS) apenas nos planos técnico e administrativo, como sugerem declarações de responsáveis do Ministério da Educação e notas oficiais divulgadas no seu «site». Porém, a Língua Portuguesa é uma questão de Estado e existem fortes razões políticas que justificam a actuação do Governo ao mais alto nível.
A primeira razão é a não abertura do processo aos países de língua oficial portuguesa, em particular o Brasil, único que dispõe de legislação sobre a matéria, com óbvio prejuízo para a unidade do ensino da língua portuguesa no mundo, dentro e fora da lusofonia.
A segunda razão consiste na prova pública (sem refutação e que o Governo pode confirmar) de que a TLEBS é cientificamente inaceitável. Corolário desta razão é a instituição do Estado português como fiador e difusor do erro no sistema de ensino, junto de alunos e professores, violando o n.º 2 do Artigo 73.º da Constituição da República Portuguesa, já que a transmissão do erro não configura uma acção de educação que «contribua para o desenvolvimento da personalidade» ou «para o progresso social».
Em terceiro lugar, é patente que o caso TLEBS está atolado num pântano jurídico indigno de um país civilizado. Veja-se: a TLEBS é criada pela portaria 1.488/2004 do ME, mas os programas de Português do Secundário, homologados em 2001 e 2002 e vigentes desde 2003-2004, baseiam-se nela (à data, mero «documento de trabalho», como anota a bibliografia), assim violando a legislação aplicável então em vigor (portaria 20.466/1967, criadora da Nomenclatura Gramatical Portuguesa); tal ilegítima subordinação é confirmada pela Portaria 1.147/2005: «o texto do novo programa de Português (...) recorre aos termos definidos na TLEBS»; apesar destas evidências, o ME sugere a dependência inversa, afirmando que «os professores deverão considerar, da TLEBS, apenas os termos (...) definidos pelos programas em vigor e pelo Currículo Nacional (...)» (circular 14/2005 da DGIDC); por último, os programas do Secundário, sem homologação publicada no jornal oficial, são ilegais. Sobre esta intricada terceira razão e o corolário da segunda, peço aos meus ilustres Colegas de Direito Constitucional e de Direito Administrativo que se pronunciem, a bem da República.
Ainda no âmbito das anomalias do caso TLEBS, jurídicas e outras, não se pode ignorar a anunciada nomeação do Prof. Aguiar e Silva e do doutor João Costa como especialistas para a «correcção e revisão final» da Terminologia. O primeiro é uma figura incontornável dos Estudos Literários, uma mais-valia de cultura e bom senso. Quanto ao segundo, a sua nomeação para a função deve ter-se baseado tão-só na lógica, em parte admissível, de ser ele o actual presidente da Associação Portuguesa de Linguística. Porém, acontece que, mesmo com a sua inteligência (que conheço, já que o tive como um dos meus muito raros alunos de dezanove), este linguista não está em condições de avaliar e corrigir toda a TLEBS, com a amplitude temática que tem, como, aliás, não estaria nenhum linguista do mundo. Portanto, de duas, uma: ou o doutor João Costa foi encarregado de constituir uma equipa de avaliadores que o assessorem - e, nesse caso, os cidadãos não estão a ser correctamente informados - ou assumiu-se, ingénua ou irresponsavelmente, como avaliador único (em parceria com um ilustre estudioso de Literatura, que não vai seguramente imiscuir-se em minudências linguísticas) e, então, perde todo o crédito, porque não tem consciência do exercício impossível que lhe estará a ser pedido por quem, no Ministério, obviamente de todo ignora a dimensão do campo de conhecimento em causa. Além disso, sendo João Costa o cônjuge de uma das co-autoras de duas das maiores e mais problemáticas secções da TLEBS - a Assistente Ana Luísa Costa, colaboradora de Inês Duarte -, interrogo-me, com a maior perplexidade, sobre a legitimidade deontológica da sua nomeação (e, já agora, da aceitação da mesma), ainda que a lei possa não a impedir expressamente. Por temer esta nomeação (a meu ver ilícita), alertei a Senhora Ministra da Educação para a relação de parentesco em causa, em 22/12/2006, por carta electrónica de que possuo nota de recepção pelo Gabinete.
Julgo poder afirmar que o país espera do Senhor Primeiro-Ministro que, tendo em conta as implicações de Estado aqui invocadas, dê à Senhora Ministra da Educação, com a maior urgência, o superior apoio político, com a garantia da assunção de eventuais responsabilidades perante direitos de terceiros, que seguramente será necessário para a medida que, na situação actual, já se prefigura como inevitável, isto é, a suspensão imediata e generalizada da TLEBS em todos os níveis dos Ensinos Básico e Secundário (conjuntamente com as actividades de dita «formação» e o gabinete de apoio que a secundam) e a reposição provisória da anterior Nomenclatura, até que se encontrem soluções legalmente válidas e cientificamente correctas. Ao mesmo tempo, seria crucial que a Senhora Ministra nomeasse uma comissão pluridisciplinar com pedagogos, psicólogos, professores de Língua Portuguesa, linguistas - que poderiam, por exemplo, ser os catedráticos de Linguística e de Didáctica do Português em exercício no país e não envolvidos na TLEBS - e especialistas de Estudos Literários (incluindo Aguiar e Silva), com a missão de fazer o ponto da situação actual e propor objectivos a atingir e acções a empreender. Finalmente, deveriam ser sondados o Brasil e os demais países lusófonos sobre o seu interesse em aderir ao processo. A meu ver, só assim se ultrapassaria a lamentável situação criada por outros Governos, e em parte pelo actual, e se trataria a Língua Portuguesa e a sua função aglutinadora do mundo lusófono como questões de Estado que são. Remeto outras reflexões e sugestões sobre estas matérias para ulterior artigo ou para a minha página pessoal (http://jperes.no.sapo.pt/), em função da evolução da situação no futuro próximo.
in "Expresso", 20 de Janeiro de 2007