Foi na estrada entre Oeiras e o Cacém, mais precisamente por alturas de Leceia, que senti esta angústia e fiz esta reflexão: será que os nossos trinetos conseguirão falar e escrever o Português sem terem de frequentar um curso de línguas mortas?
Tanto a angústia como a reflexão surgiram pouco depois de eu ter passado junto àquele novo e enorme complexo destinado à instalação de serviços, construído com o empenhado apoio da Câmara de Oeiras e a que foi dado o nome de «Tagus Park». Enquanto seguia na direcção do Cacém, ia-me perguntando: mas porquê Tagus e porquê Park? O que haverá de fundamentalmente errado em «Parque Tejo»?
Distracção minha, está bem de ver. No regresso a Oeiras, ao passar novamente pelo parque - perdão, pelo park - a resposta brotou-me, clara, no espírito. O que há de errado é que Parque Tejo é português, pelo que não confere aquele toque especial de distinção capaz de atrair as empresas, os seus gestores e a sua clientela. Pela mesma razão, o País está hoje salpicadíssimo de Shoppings em vez de ter centros comerciais; pela mesma razão, uma gasolineira dotou os seus postos de venda com um cómodo sistema de Self-Serve, expressão que, além de ser mais distinta do que um vulgar "auto-serviço", tem ainda a particular virtude de não fazer o mínimo sentido nem em Português nem em Inglês.
E foi, sem dúvida, pela mesma razão que aquele jovem e brilhante gestor de empresa a quem há tempos eu explicava que, por vezes, quando tinha trabalhos simultâneos entre as mãos, alternava a execução para descansar a cabeça, comentou abanando sapientemente a sua própria (cabeça): «Compreendo muito bem: você faz o shift…»
Aí está: eu fazia o shift. Dificilmente uma língua resistirá a esta atitude, hoje consagrada e colectiva, mesmo se essa língua teve um Camões ou um Vieira , até porque esses e os restantes, se cá voltassem, já mal se entenderiam nela.
Atente-se que não sou contra o neologismo - afinal, ele é o sangue novo de que um idioma por vezes necessita. O neologismo, porém, há-de ter uma lógica e uma justificação e há-de, sobretudo, ser o resultado de uma assimilação. Fazer o shift, render-se servilmente aos maneirismos de outra língua e às suas designações, elaborar apenas a síntese da asneira - mesmo em sistema de self-serve - não é introduzir verdadeiros neologismos. Ou, pelo menos, não é introduzi-los de forma escorreita e aceitável.
Há aqui, evidentemente, uma boa dose de incultura, que é o mais importante factor de vulnerabilidade e fragilidade de uma língua. Mas há também, e sobretudo, um grande desamor. O que é particularmente grave, porque - sobretudo num povo e num país como os nossos - na língua reside boa parte da identidade. Desamor à língua é desamor a nós mesmos. E não vale a pena culpar o Governo. Ou antes: vale sempre a pena, porque os Governos existem para isso (se não servissem para desabafarmos, que real utilidade teriam?), mas não será muito útil. O Governo pode fazer e deveria fazer muito mais pela defesa da nossa língua, mas não deve e nem sequer pode instituir por decreto o amor dos Portugueses ao Português.
Daí que, tendo em conta o que se ouve e o que se vê - o Tagus Park é um mero grão no areal deste meu descontentamento...-, eu pergunto: será que os nossos trinetos ainda falarão português e não uma forma qualquer de crioulo americano?
Pergunta que de modo algum é feita com simples intenção retórica. E a quem pensar que eu exagero, respondo apenas: We shall veremos, my frendes, we shall veremos.