« (...) Essa brecha digital foi demonstrada pelo Projeto Presença da Língua Portuguesa na Internet, comparada com outras línguas. (...)»
No mundo contemporâneo, é consenso que as tecnologias digitais são um dos principais vetores de desenvolvimento social e econômico e de inovação, em todos os campos produtivos de um país ou região. Nessa perspectiva, grandes analistas da área das tecnologias, economistas e teóricos da globalização apontam as vantagens da digitalização das economias e sociedades, mas também ressaltam os problemas e dificuldades a serem enfrentados, especialmente pelos países mais pobres. A crescente automação da produção, por exemplo, pode impactar a geração de empregos para uma grande parcela de profissionais, assim como o acesso desigual às tecnologias pode contribuir para um desenvolvimento econômico e social mais lento para alguns países. A solução, de acordo com economistas como Timothy Taylor, seria os governos investirem cada vez mais em formação especializada na área das TICs, gerando novos modos de capacitação e profissionalização para o mundo digital, bem como o forte investimento em infraestrutura tecnológica.
Quando consideramos o universo dos países de língua portuguesa, a desigualdade de acesso às tecnologias digitais, principalmente à internet, torna-se evidente. Essa brecha digital foi demonstrada pelo Projeto Presença da Língua Portuguesa na Internet, comparada com outras línguas (PPI), que a partir da consulta a um amplo conjunto de fontes de dados, mostrou como resultados preliminares que na população de conectados em português na internet, o Brasil responde por 90%, Portugal por 4.3%, Angola por 1,7% e Moçambique por 1,6%. Em termos absolutos, Guiné-Bissau e Angola apresentam dados extremamente baixos de acesso à internet e Moçambique muito baixo acesso. Dos PALOP, o único país que apresenta alta taxa de crescimento e de presença na internet é Cabo Verde. Já Timor-Leste está entre os países com pior acesso à internet em todo o mundo. Essa desigualdade de penetração no universo digital traz grandes impactos para todos os setores produtivos da sociedade, na economia, na indústria, na infraestrutura, no desenvolvimento social e, especialmente, na formação qualificada e na educação.
Um exemplo objetivo pode ser visto nos resultados da avaliação do Curso Português Pluricêntrico – Formação de Professores de Português como Língua Pluricêntrica, cuja primeira edição foi realizada em 2022, em modalidade remota, e teve como público-alvo professores de língua portuguesa dos PALOP e de Timor-Leste. Do total de 85 participantes, a maior parte dos professores destacou como dificuldade para o seu desempenho no curso o acesso à internet, mais do que o domínio propriamente dito das ferramentas digitais e do ambiente de aprendizagem. Como consequência, muitos professores desistiram do curso por impossibilidade de concluí-lo.
Sendo a educação uma área estratégica para o desenvolvimento dos nossos países, torna-se urgente que os nossos governos, em conjunto, pensem em soluções para enfrentar as brechas digitais na CPLP. Somente diminuindo as desigualdades de acesso ao mundo digital poderemos oferecer oportunidades de aprimoramento e de capacitação a todos os nossos professores e alunos, onde quer que estejam.
Áudio disponível aqui:
[AUDIO: Edleise Mendes – O português e a brecha digital na CPLP]
Cf. Seixas da Costa diz que CPLP não funciona e que Brasil não se empenha na organização
Crónica incluída no programa Páginas de Português, na Antena 2, em 2 de abril de 2023.