« (...) Que vem a ser este «não já»? Não é português, pois não? Então o que é? (...)»
Considerem, por favor, esta pergunta que fiz há pouco tempo à Maria João: «Já gostaste mais de Gruyère, não já?» Que vem a ser este «não já»? Não é português, pois não? Então o que é? Não se diz «Estás quase a vomitar, não quase?». Nem tão-pouco «Ainda não foste a Moscovo, ainda não?». Então porque é que não soa tão mal dizer «Já puseste a mesa, não já?»? O que é que se passa aqui?
A resposta é fácil para quem já pôs a mesa: «Já, já.» O primeiro já refere-se ao «já puseste?» e o segundo já refere-se ao «não já?».
«Não já?» tem uma conotação moral positiva comparado com o pessimismo de «Não me digas que ainda não puseste a mesa...». «Não já?» diz «eu acredito em ti». Diz «és uma pessoa responsável que cumpre as tarefas de que és incumbido». Diz «desculpa lá mas tu roças o formidável».
Os brasileiros têm a Iemanjá. Nós temos o Não já. Levei muito tempo a perceber o “pois não” dos brasileiros. «Posso então tirar um chocolate?» «Pois não.» «Pois não» parecia dizer «é óbvio que não podes tirar». Depois, um americano explicou-me que o «pois não» é um «you’re welcome». O que, por sua vez, também não é «apraz-me dar-lhe as boas-vindas». Daí que seja diferente dizer «Já não gostas de Gruyère, pois não?».
Em Portugal pode-se responder à vontade «pois não». Já no Brasil, teoricamente, pode ter o significado de «então não gosto!», significando «gosto pois!».
Tudo isto é mais complicado do que necessitava de ser. Não há nada a fazer. A língua portuguesa é pródiga nestas confusões.
Já tinha chegado a esta conclusão, não já?
Crónica disponível no jornal Público do dia 8 de março de 2020, escrita conforme a norma ortográfica de 1945.