«(... O estar a vem da portuguesíssima distinção entre estar e ser que nos deixa dizer: "É pá, tu que és tão jeitoso estás cá um nabo!" ou "ainda não percebi se o Emílio é ou está estúpido".»
Para falar português como os indígenas é preciso seguir certos princípios que não vêm nos livros e que não se ensinam nos cursinhos de Português para estrangeiros.
Uma das particularidades mais engraçadas é o prolongamento dos verbos através do acrescento de «estar a». Está dentro da regra geral de usar um máximo de vocábulos para ocupar um máximo de tempo porque obviamente no jogo da conversa ganha sempre quem fala mais.
Nas escolas ensinam-nos a dizer «não compensa comprar uma mini de cerveja».
Mas na vida real diz-se “não compensa estar a comprar uma mini de cerveja”. Em vez de “Não estou para alugar esta barraca” prolonga-se para “Não estou para estar a alugar esta barraca”.
O estar a vem da portuguesíssima distinção entre estar e ser que nos deixa dizer: «É pá, tu que és tão jeitoso estás cá um nabo!» ou «ainda não percebi se o Emílio é ou está estúpido».
Quando perguntamos a alguém o que ela faz nunca vamos directamente ao assunto.
Ninguém pergunta «Que fazes?» a não ser que se seja padre de aldeia e seja lícito dizer «Que fazeis?»
Perguntamos. «O que estás a fazer?” por influência do inglês “What are you doing, you stupid idiot?” E daí respondermos: «Estou a bordar esta bandeira».
Trata-se daquilo que os linguistas conhecem por um gerúndio de pacotilha. Um gerúndio correcto seria, claro, «Estou bordando esta bandeira».
A partir daí arrastamos tudo para o gerúndio como se estivéssemos permanentemente presos a cada acção. Para quê estar a dizer mais sobre este assunto?
crónica do autor, transcrita jornal "Público" do dia 6 de julho de 2018,, escrita segundo a norma anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.