Diz-se que são parónimas as palavras que têm pronúncia semelhante, como é o caso de identidade e entidade, cuja confusão pode dar origem a erros embaraçosos como «bilhete de "entidade"», expressão erroneamente empregada em lugar de «bilhete de identidade». Tendo como pano de fundo a realidade social e linguística de Angola, Edno Pimentel salienta esta confusão, muito comum na língua portuguesa, numa crónica publicada pelo semanário luandense Nova Gazeta em 29/10/2015.
Desta vez, Ndongala não se conteve. Fazia, segundo ele, três meses que tentava tirar o BI no posto de identificação do Sambizanga, mas sem sucesso. Como tinha de matricular o filho, sentiu-se forçado a tratar também da sua papelada que não conseguia há mais de 30 anos. «Lá no mato era muito complicado, pensei que aqui seria mais fácil.» Mal sabia ele que de “mato”, Luanda também tinha muito que contar.
Nesse dia, tinha ido lá à busca da certidão de nascimento do mais novo. No meu caso, tinha apenas duas semanitas que, para mim, já eram uma eternidade. Mas freei. Estava a ser injusto com Ndongala. O que são 15 dias para os quase 170 "sofridos" por aquele pai desesperado? Mas precisava de «puxar a brasa para a minha sardinha». Lá falei, disse, propus, conversei, ouvi, escutei e sinónimos e… depois de tudo o que disse, o que voltei a ouvir foi: «Volte cá na segunda-feira, meu senhor.»
E devo reconhecer que, apesar de tudo, fui muito bem atendido, porque lá dentro do posto os ânimos estavam à flor da pele.
«Se ainda queres receber o teu bilhete de entidade, é melhor teres modos. Esta aqui não é a casa-da-mãe-Joana» – diz a funcionária.
«Ché, estás pensar que sou da tua confiança, não é?» – retorquiu Ndongala.
«Estão a me apertar na chucha, oh. Uá ué, meu dedo. Apertaram o meu dedo na porta» – ouvia-se de dentro da conservatória.
«Dêem-me só o meu bilhete e não me voltam a ver aqui» – insistiu um outro senhor.
«Não me aqueçam a cabeça. Já vos disse para virem buscar os vossos bilhetes de entidade na segunda-feira» – repetiu a funcionária.
Ao que parece, no que depender da senhora, Ndongala jamais terá o que pretende – um bilhete de identidade, também conhecido de BI. O que ela diz que estará pronto na segunda-feira não existe. Ou seja, existe o bilhete, existe entidade e existe também identidade. Mas a combinação é «bilhete de identidade», e não «bilhete de entidade». BI é o cartão com o número de identificação civil, uma fotografia, a impressão digital e os dados pessoais do portador. A palavra entidade assume-se, entre outros, como um indivíduo que ocupa um lugar considerado importante. É sinónimo de individualidade. Portanto, não são apenas as individualidades – ou entidades – que têm um bilhete. Até mesmo o Ndongala, um pacato cidadão do "mato", tem direito a um bilhete de identidade.
Crónica da autoria de Edno Pimentel e publicada na coluna Professor Ferrão do jornal luandense Nova Gazeta, em 29/10/2015. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, a qual é anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.