Crónica de Edno Pimentel publicada no semanário luandense Nova Gazeta do dia 17/09/2015, a respeito dos usos do português de Angola, desta feita, centrando-se no verbo irregular dar, cujo presente do conjuntivo apresenta as formas dê, dês, dê, dêmos, deis, dêem, e não "deia", "deias", "deia", como por vezes erradamente se ouve dizer. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, a qual é anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
«No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.» É o que aparece em João 1, 1 da Bíblia Sagrada. Esta, com certeza, não é uma conversa para agnósticos como é o E. F. Pelo menos não a conversa a que o ser divinal diz respeito. Mas conhece, e muito bem, e sabe como poucos que sem o verbo a língua seria um desastre. Aliás, é à sua volta que tudo gira. Não é à deriva que encontramos nas gramáticas que o verbo é o fulcro das nossas orações, sejam elas divinais, sejam elas simplesmente linguístico-gramaticais.
O verbo, independentemente da forma como se nos apresentam – regulares, irregulares, defectivos, anómalos, abundantes, merece todo o nosso respeito. Através dele, construímos os nossos pensamentos, expomos as nossas ideias. Quando mal empregado, podemos dar origem a interpretações erradas.
Do mesmo modo que se defende que «o segredo é a alma do negócio», há também quem defenda que «o verbo é a alma da frase». «Não há possibilidade de se construir uma frase sem uma forma verbal, expressa ou subentendida.»
Já aqui foi dito que uma das formas de nos tornarmos amigos do Verbo é procurar meios de o conhecermos – nas gramáticas, lendo livros de referência, etc. – quer sendo agnósticos quer sendo fiel à Palavra.
Dar é também um verbo irregular – os que não se encaixam nos modelos fixos de conjugação e alteram os radicais e as desinências verbais de número, pessoa, modo e tempo. Não se conjuga o verbo dar como se conjuga o verbo amar.
No conjuntivo – e é aqui onde reside o grande problema, mesmo com os verbos regulares –, as formas do verbo dar no presente são dê, dês, dê, dêmos, deis e dêem, e não, como algumas pessoas pensam, "deia", "deias", "deia"… Até porque deia é um substantivo feminino que em português significa «deusa»; não é, pois, um verbo.
Dizer «que me deiam um livro» pode ser considerada falta de consideração à palavra mais importante da língua. «Quem me dêem um livro para que eu esteja mais bem informado.»
Crónica da autoria de Edno Pimentel e publicada na coluna "Professor Ferrão" do jornal luandense Nova Gazeta, em 17/09/2015. Manteve-se a ortografia conforme a norma ainda aplicada em Angola, a qual é anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.