Texto do autor sobre a esperança de vida em Angola, no qual o uso de dois verbos (regulares) – trintar, «fazer 30 anos», e quarentar, «fazer 40 anos» – é sinal da preocupação dos angolanos com os males que os ameaçam.
Morrem milhares de pessoas nas estradas. Em acidentes ou por atropelamento. A malária continua a ceifar vidas, sendo ainda a maior causa de morte em Angola. Há doenças estranhas, alimentadas por rezas nas igrejas ou por curandeiros, que não poupam vidas. Morre-se muito em Angola é uma frase batida, mil vezes repetida. Como se não bastassem as causas naturais e os acidentes involuntários, sobe o número de vítimas de violência.
Diz-se, pela rua, que «trintar é muito difícil». De facto, um jovem quando chega aos 30 anos sente que já atravessou um calvário e que conseguiu cruzar uma dura meta. No entanto, muitos não totalmente ‘virgens’ de serem vítimas de violência.
«Tem que ter caixa e saber andar para chegar a quarentar» é outra (in)feliz expressão que resume uma sociedade. Um outro feito, um outro cruzar de meta digno de ser celebrado se se chegou vivo, sem mazelas e, já agora, com a família intacta.
Puxar o gatilho, dar uma facada ou uma catanada, matar com pedras ou garrafas é infelizmente corriqueiro. A sociedade é violenta. Uma violência que se nota, por exemplo, nas estradas, nas discussões à frente das roulottes, em festas, que inevitavelmente, terminam com mortes ou com feridos graves, nos assaltos em que não se hesita em premir gatilhos. Os relatórios policiais de segunda-feira são de arrepiar: sempre com os números de agressões de dois dias bem bebidos.
É estranha esta violência em cidades, em que se ouve repetidamente nas rádios, televisões e igrejas conselhos de comportamento. O que leva à pergunta: têm servido para quê?
Será a sociedade angolana geneticamente violenta? Ou impera uma certa impunidade de quem sabe que, kwanza a mais, kwanza a menos, escapa de uma severa punição? Pior do que isso: a inexistência de política de reinserção na sociedade. Assim, é mesmo complicado trintar, quanto mais quarentar.
Texto de opinião de Emídio Fernando publicado no semanário luandense Nova Gazeta em 23/07/2015.