Os muitas e variados significados do substantivo «mão» e respetivas locuções neste apontamento do autor a propósito de um impreciso «lavar de mãos»... ministerial.
[in O Ponto do I, jornal i de 13/11/2014]
«O ministro não lavou as mãos do problema. Isso significa que acertei quando o escolhi para ministro da Educação.» As palavras são do primeiro-ministro [português], que talvez quisesse dizer qualquer coisa como «o ministro assumiu as suas responsabilidades, não lavou daí as suas mãos».
No calor do debate político, é natural que os intervenientes tropecem e façam algumas "malabarices" linguísticas, coisas que os eleitores perdoam e esquecem. Porém, com as palavras do primeiro-ministro o país ficou a saber que os problemas têm mãos, que tais mãos não foram lavadas e que portanto já não há um problema entre mãos, pois o ministro não tem mãos no problema.
Se o problema tem mãos, é natural que também tenha pés, coração, braços e outras partes corporais, cada uma com a função que lhe foi designada pelo Criador. Este encontrou um sublime retrato no tecto da Capela Sistina, quando estende a Sua mão direita e quase toca a mão esquerda de Adão. É o instante da criação. A mão é, assim, o órgão mais característico do homem, consubstanciação do tacto e da preensão, intermediária da aprendizagem, extensão do cérebro. Pode significar muitas outras coisas. O Dicionário da Academia [das Ciências de Lisboa] regista mais de meia centena de significados e locuções no verbete «mão». São à mão cheia, estão lá à mão de semear, um terreno de onde ninguém sai de mãos a abanar ou com uma mão atrás e outra à frente. Não tem mãos a medir. As mãos do problema que o ministro não lavou lá continuam, não lavadas, à espera de alguém.
texto publicado com o mesmo título na coluna do autor "O Ponto do i", no jornal "i", de 13 de novembro de 2014. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico seguida pelo jornal.