Crónica do jornalista Wilton Fonseca publicada no jornal i sobre a controversa expressão «à última da hora».
«À última hora» ou «à última da hora»? Durante anos revi prosas de jornalistas e sempre afirmei que a primeira locução era correcta e a segunda uma asneira. Há dias, uma conversa sobre o assunto, com o Appio Sottomayor, levou-me a consultar o Dicionário da Academia. E vi que as duas estão lá.
Notas prévias: a expressão «última hora» («uma notícia de última hora», «preparativos de última hora») indica alguma coisa que acabou de ocorrer ou ocorreu de maneira precipitada; o substantivo últimas (feminino, plural) é utilizado em expressões como «ele está nas últimas« ou «eu disse-lhe as últimas».
«À última hora» significa «no último instante possível», quando tudo leva a crer num único desenlace para um determinado acontecimento («Foi salvo à última hora»; «Conseguiu evitar o acidente à última hora»).
«À última da hora» não recebe do Dicionário da Academia a mesma importância dispensada à sua irmã. O Dicionário Priberam, que também a regista, não mostra por ela muita simpatia. Aceitá-la como correcta equivaleria a atribuir a última a função de um substantivo, com o significado de «derradeira fracção», «derradeira parte», «derradeiro momento» de uma indeterminada hora. Estaríamos perante o caso de um adjectivo disfarçado de substantivo. Parece complicado? Acho que sim.
A solução – se ela existe – é continuar a tratar por “asno” quem produza um «à última da hora» e o submeta a mim ou ao Appio para revisão. E lançar a pergunta: «E então, também diz "à primeira da hora"?»