Generalizada na linguagem popular – que até coincide com a denominação de um peixe –, não é essa a forma recomendada do particípio passado do verbo perder. Especialmente se em sala de aula – como escreve o autor nesta crónica sobre os usos do português em Angola, no semanário “Nova Gazeta” de 25 de setembro de 2014.
Foi a isso que me referi numa das aulas. A língua não é dos livros, mas sim dos falantes. O certo mesmo é que haja limites para se evitarem anarquias na língua. Isto vem a propósito de uma discussão ou debate numa emissora sobre um tema ao qual prefiro não me referir.
Durante o debate, um dos interlocutores foi ‘encurralado’ e, para se defender, optou por corrigir os erros de português do outro convidado. Que mal! Não gostei nem da postura, por não reconhecer que estava ‘derrotado’, nem da correcção sugerida.
Já disse outras vezes: uma coisa é ter boa dicção, bom comportamento linguístico do ponto de vista da oralidade, outra coisa é ter conhecimento que nos permita transmitir com didáctica e pedagogia a língua portuguesa. Não precisamos de dar muitas voltas à cabeça para ver que não é correcto dizer «eu venho aí amanhã”» mas sim «eu vou aí amanhã». Não pode um professor, seja do que for, dizer que falar sobre certo assunto com os seus alunos é uma «perca de tempo». Não é pedagógico.
O que os alunos levem à escola pode ser considerado uma «perca de tempo», porque é naquele espaço onde buscam solução para muitas das suas dúvidas e a forma correcta de se expressar.
Recomenda-se que, na escola, seja usado nível cuidado da língua. Dizer «(...) é uma perca de tempo, porque as famílias sabem que...», como comentava o interlocutor, que também é professor de português, pode criar confusão na cabecinha dos meninos.
Sem desprimor, ‘perca’ é próprio do registo popular. O professor deve usar, sem hesitar, ‘perda’, referente ao acto ou efeito de perder, que difere de ‘perca’, forma do verbo ‘perder’ (1.ª ou 2.ª pessoa do singular) no presente do conjuntivo. Deve dizer-se, por isso, «é uma perda de tempo».
Por exemplo: «Não é bom que o professor perca o controlo da sala»; «a ida do ex-director constitui uma perda irreparável».
Cf. A perca (crónica de Martha Medeiros, in Português é legal!)
texto publicado no semanário luandense Nova Gazeta, no dia 25 de setembro de 2014, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.