«Letras assentes no mau português (…) repetidas até à exaustão e rimas em que o “amor” pede sempre “dor”». Texto publicado no semanário “Nova Gazeta” de 27/02/2014 sobre o «mau-gosto [que] impera na música angolana» que passa na rádio e na televisão do país – hoje nos antípodas da qualidade dos poetas e autores cantados em tempos mais recuados, e difíceis.
O desafio foi lançado num destes dias pelo escritor e jornalista Ismael Mateus: que cada um de nós possa indignar-se com aquilo que vamos ouvindo e vendo nas rádios e televisões. Povo amorfo, classifica Ismael Mateus, que se permite aplaudir músicas «feitas com letras assentes no mau português, vou te amaréé, aueé, falaréé, em que mais não se faz do que ridicularizar outros angolanos que não tiveram a possibilidade de ir para a escola».
De facto, o mau-gosto impera na música angolana e não se fica apenas por essa vontade de ridicularizar. Reflecte apenas o nível cultural que o país atingiu. Mostra, antes de mais, o desinteresse pela busca da qualidade, a falta de determinação em valorizar-nos, a opção pelo mais básico. E isso é que é o mais preocupante.
Qualquer pessoa que saiba escrever umas linhas consegue hoje ser um autor de letras que por aí se propagam. Escrever letras repetidas até à exaustão e rimas em que o ‘amor’ pede sempre ‘dor’ é tarefa infantil. Mas infelizmente é o espelho de uma cultura que optou por deixar de o ser. Entregou-se ao lixo.
Pode haver sempre justificações. O difícil é aceitá-las. Noutras épocas, com dificuldades bem maiores e escusadas de se lembrar, Angola exibia luxos: Liceu Vieira Dias, Ruy Mingas, Lourdes Van-Dúnem, Teta Lando, Dionísio Rocha além de ter músicos que tratavam de cantar poetas como António Jacinto, Viriato da Cruz, Alda Lara. E hoje até outros, como por exemplo, Waldemar Bastos que são praticamente ignorados em casa própria, apesar de alcançarem sucessos lá fora.
Esta tendência descendente dificilmente será ultrapassada. Não é um derrotismo. Basta aliás observar qualquer festa de crianças: as canções infantis deram lugar ao mais pornográfico kuduro. Não, não é um bom sinal.
artigo publicado no semanário angolano “Nova Gazeta”, de 27 de fevereiro de 2014. Respeitou-se a grafia antiga, seguida em Angola.