Crónica do poeta, professor e sacerdote José Tolentino Mendonça, publicada no semanário português Expresso sobre os nomes próprios mais frequentes em 2013, entre as crianças registadas em Portugal.
A escolha dos nomes tem-se tornado, nas jovens famílias portuguesas, um suave pesadelo. Quando os casais anunciam que estão de esperanças e revelam que vem aí uma rapariga ou um rapaz, são naturalmente festejados por parentes e amigo. Mas, logo a a seguir, a conversa fica travada num embirrento (ou divertido) interdito: o do nome do nascituro. Durante meses é esta a questão esta bicuda a que se alude com pezinhos de lã e gracejos, a picar amigavelmente os futuros pais, que não parecem, contudo, condoer-se coma a ansiedade dos outros. A verdade é que, quando os olhamos, percebemos rapidamente que também não estão melhores. Fazem listas intermináveis de nomes e depois uma shortlist, que parece um passo seguro para o desfecho, mas que frequentemente se revela um angustiante beco sem saída. Voltam então às litas maiores e tornam a reter três ou quatro nomes com algumas probabilidades. Contudo, com o passar do tempo, qualquer nome se torna alvo fácil no litígio declarado. Um gostaria que o nome fosse uma homenagem a um seu parente, o outro acha isso repetitivo e pesado, como se fosse trair a individualidade do vindouro. Um defende o nome que lhe parece sonante para um adulto e pensa no impacto daquele nome num cartão de visita profissional. O outro esforça-se por encontrar um nome giro para um bebé e só consegue desejar que o seu rebento sobreviva ao crivo trocista dos colegas da infantil.
Talvez a rarefação da nossa ligação a um passado (familiar, referencial, biográfico…), que verdadeiramente não chegou a estruturar-nos, seja responsável por esta espécie de atordoamento no lidar com o futuro. Somamos expectativas e medos, ambições e frustrações, queremos e não queremos, agitamo-nos entre vontades contrastantes sem margem para operar uma sedimentação na qual possamos estavelmente reconhecer-nos. A vida embaraça-nos. E, quando se trata de transmiti-la e projetá-la de forma nítida, afundamo-nos em dúvidas e indecisões, num arrastamento sem razão nem horizonte.
Para uma época que tanta aprecia os rankings, o Instituto dos Registos e Notariado acaba de publicar o ranking dos nomes atribuídos em Portugal no ano de 2013. Respirem de alívio: mesmo com as rocambolescas indefinições que sabemos, os portugueses vão chamar-se maioritariamente Maria e João, os nomes vencedores; e também Matilde e Rodrigo, Leonor e Martim, Mariana e Francisco, Carolina e Santiago, Beatriz e Tomás (os cinco nomes que se seguem). Mas, por exemplo, das 34 páginas de registos de nomes masculinos, 22 são ocupadas por nome sque só comparecem uma vez. E, do mesmo modo, nos nomes femininos: em 41 páginas há 27. É provável que muitos desses nomes singulares (Djabu, Selin, Edah, Pavel, Samarjit, Józef…) estejam ligados a comunidades migrantes no nosso país, facto absolutamente atendível. Mas pode acontecer que não apenas essa a justificação. Quando vemos que há 262 Yaras, 69 Kellys ou 37 Williams é difícil não temer fenómenos de puro mimetismo e de originalidades mais desesperadas. E nem sempre se tem a deliciosa sorte que o irlandês Laurence Sterne conta do romance A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy. O pai pretendia que o rapaz se chamasse Trismegisto. Mas, no momento do baptismo, a empregada não conseguiu reproduzir fielmente o erudito nome. Disse uma coisa que, ao padre que estava a oficiar, pareceu Tristram. E assim se chamou o herói.