Aqui se mostra – nesta crónica do autor, publicada originariamente no semanário angolano Nova Gazeta de 12/12/2013 – que nem sempre se deve seguir à letra o aforismo que manda não meter a colher «entre marido e mulher». Especialmente quando, como era o caso, o aconselhamento conjugal trouxe também um esclarecimento à volta das formas oblíquas tónicas dos pronomes pessoais ti e mim.
Para muita gente, nem sempre é fácil gerir esse lado da vida: tornar-se num só depois do enlace matrimonial. É o que cada um dos cônjuges promete no altar, diante das entidades religiosas que simbolizam a concessão da bênção, perante Deus e todos os convidados, pais e padrinhos. No entanto, não é bem assim que as coisas têm acontecido.
Há duas semanas, quando fui chamado por um amigo para mediar um conflito que tinha com a mulher, ele parecia decidido a separar-se porque a esposa «queria saber tudo o que acontecia com [ele] no serviço, na escola e com a família [dele]».
Mas é o que seria normal, até porque foi o que ele prometeu à esposa e eu ouvi. Com os olhos vermelhos de lágrimas de muita alegria e porque não acreditava que tinha conseguido conquistar a mulher da sua vida, ele jurou: «A partir de hoje, entre tu e eu não haverá segredos, meu amor». E ela, como qualquer mulher apaixonada, retribuiu: «Faço das tuas as minhas palavras».
Eu tinha a impressão de que o casal tinha atingido o nível mais alto da felicidade. E tinha mesmo, pelo menos é o que parecia, até à semana antepassada quando tive de intervir. «Quando me casei, jurei fidelidade e não ser prisioneiro dela», desabafa o meu amigo que, até então, era o esposo mais feliz do universo.
«Se ele não tem nada que esconder, por que não posso mexer no telefone dele, ler as mensagens, à semelhança do que ele faz com o meu…?», pergunta a mulher indignada, aos soluços e já quase sem ar para pronunciar as palavras e exprimir o que lhe vinha de dentro.
Era pior do que uma batata quente o que eu tinha na mão. Mas como amigo, por mais dura que fosse a verdade, tinha de lhe mostrar que ele estava a cometer um erro. Por sorte tenho um amigo acessível e inteligente que não me deu dor de cabeça. Foi com muita facilidade que compreendeu que ‘entre’ (preposição) selecciona os objectos indirectos com preposição, ‘ti’ e ‘mim’, e não os pronomes de sujeito, no caso, ‘tu’ e ‘eu’.
Depois do meu conselho, voltou a prometer à esposa e dessa «será para valer»: «Entre ti e mim não haverá segredos».
[Outros textos de Edno Pimentel sobre o português em Angola]
In semanário Nova Gazeta, de Luanda, publicado no dia 12 de dezembro de 2013 na coluna do autor, "Professor Ferrão". Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.