Os erros surgem onde menos se espera, como é o caso de renitente que passa incorretamente a "remitente" (por analogia com remitir ou remeter?) É este o tema abordado por Edno Pimentel em mais uma crónica publicada na coluna "Professor Ferrão" do semanário angolano Nova Gazeta, de 21/11/2013.
«É o que ele tem mesmo de fazer. Deixar de beber e tocar a vida para frente. Não queira ele pensar que é dessa forma que vai recuperar a confiança da esposa e o respeito da família», diz o tio numa sentada familiar para resolver o problema do seu sobrinho Netinho, que, por causa do consumo exagerado de bebidas alcoólicas, perdeu a mulher e corre o risco de perder o emprego.
Na empresa, Netinho é um dos mais respeitados porque é um dos poucos técnicos que resolve os problemas dos clientes e está sempre disponível para qualquer tarefa, a qualquer hora.
O que pouca gente sabe é que ele começou a beber desesperadamente quando, em conversa com os amigos, alguém lhe sugeriu que a Quimbita, a esposa dele, andava aos passeios e aos… com um vizinho. «Deixem lá disso. Confio na minha mulher e duvido que ela faça o que vocês estão a insinuar. Por favor, parem de pôr coisas na minha cabeça», pedia.
Algum tempo depois, mesmo sem os amigos e a família lhe dizerem nada, Netinho sentia a cabeça pesada de tanto pensar na possibilidade de haver alguma verdade naquilo que os amigos diziam. E como refúgio, tinha o quintal da tia Marquinha do caporroto das ponteiras – o primeiro a sair do alambique –, ou o "janela aberta" do Tio Alexandre do Ferro Velho, de onde nunca saía sem consumir sozinho, pelo menos, três Catujal.
«Temos de voltar a falar com ele, ou então vamos perder o nosso amigo numa brincadeira», alerta um dos amigos que via Netinho aos poucos a definhar e perder a vontade de viver.
«Eu já fiz a minha parte e todos vocês são testemunhas. O Netinho é muito "remitente". Ele nunca quer ouvir os conselhos de ninguém. Se ele foi parar ao hospital é tudo por causa da "remitência" dele», diz o outro amigo.
«Não concordo!», exclama o amigo mais chegado. «Netinho nunca foi "remitente". Se o fosse, teria perdoado a mulher, que vocês dizem tê-lo traído, e, no mínimo, ouvia os nossos conselhos. Ele sempre foi renitente, muito teimoso», sustentou. «E se formos renitentes como ele é, ainda vamos ter um grande peso de consciência.»
In jornal Nova Gazeta, de Luanda, publicado em 21 de novembro de 2013 na coluna do autor, "Professor Ferrão". Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.