Em «Estão a te chamar no chefe» o problema não é só uma «desordem» na frase – como assinala o autor em mais uma crónica publicada no semanário angolano Nova Gazeta, à volta dos usos do português no seu país. Subsiste, também, um problema de regência com o verbo chamar.
Os desta terra, os angolanos, até percebem o que se pretende dizer nesta frase. Poucos dariam voltas aos miolos para compreender de quem vem ou para quem vai o pedido de comparência. Mas nós não falamos só para os angolanos. Há brasileiros, portugueses, moçambicanos, etc., que também falam português (connosco), apesar de todas as particularidades que possam existir entre este ou aquele falante.
O certo é que há casos que são comuns. O português é uma língua que obedece ao sistema Sujeito – Verbo – Objecto (SVO). Não pretendemos com isso dizer que não possa haver alteração nessa ordem, mas quando isso acontece, tem de ser possível reorganizar as palavras na frase com as mesmas funções sintácticas que elas desempenhariam numa frase com a ordem lógica.
Neste caso particular, «estão a te chamar no chefe, Pedro», é possível verificar que, não apenas há uma "desordem", por assim dizer, das palavras na frase, como há também um problema de regência do verbo chamar. Quando o verbo chamar significa «solicitar, com palavras ou sinais, a aproximação ou a atenção de alguém ou de algum animal» ou «mandar vir», será transitivo directo, isto é, exige um complemento directo sem a presença de preposição: «O professor chamou o aluno».
É transitivo indirecto quando significa invocar e é, geralmente, usado com a preposição por. «Ela chamava por Jesus».
Ninguém pode ser chamado no chefe, pois o verbo chamar não é regido da preposição em. O problema está na disposição das palavras na frase. Se seguirmos a ordem lógica ficaria «Pedro, o chefe está a chamar-te», ou «= chefe está a chamar-te, Pedro». Parece difícil, mas é o correcto. Sintacticamente, Pedro, quer no início quer no fim da frase, é vocativo, o chefe é o sujeito (S), está a chamar o verbo (V) e te objecto directo (O).
Por noutro lado, o sujeito o chefe está no singular, o verbo deve concordar no singular: «O chefe chama o Pedro», não «O chefe chamam o Pedro».
Portanto, será mesmo correcto dizer “O chefe está a chamar-te, Pedro”.
Outros textos de Edno Pimentel sobre o português em Angola
In jornal Nova Gazeta, de Luanda, publicado em 1 de agosto de 2013 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.