Mais uma crónica do autor sobre o confronto dos usos do português de Angola com a norma. Desta vez, um erro muito frequente em tudo o mundo lusófono: a confusão entre o advérbio meio e o adjetivo com a mesma forma.
«Por favor, hoje não quero chatices com ninguém. Por isso, não me incomodem», alertou Melita depois do encontro para o acerto dos pormenores do pedido da irmã mais nova.
Para aquela jovem cheia de cólera, a irmã tinha tudo para dar certo mesmo sem aquele moço que, para piorar, era casado e tinha uma família muito bem constituída. «Nem sei o que é que ele quer mais», rabujava uma tia.
Mas a jovem, que já estava grávida de três meses, nunca ouviu nem quer receber conselhos de ninguém. «Ela só não demonstra, mas está meia confusa», diz um primo a quem era muito achegada.
O que inquietava a irmã mais velha não era apenas o facto de a sua maninha estar grávida, ou de o moço ter família. «Não.» Melita achava que fazer o pedido para depois abandonar a irmã num quarto e sala, com quatro cadeiras brancas e uma mesada de 15 mil kwanzas para o sobrinho não era a solução nem o futuro que sempre almejou para si ou para a irmã.
«Concordo contigo, meu primo, que ela ainda esteja meia confusa. Mas tem de confiar na família e em nós, os mais velhos, que já temos alguma experiência», apoia.
«Quem é que disse que ele me vai abandonar? Porque não me deixam viver a minha vida à minha maneira como vocês vivem a vossa sem ser incomodados?», desabafa.
Como este relacionamento nunca foi bem-visto por ninguém da família, apenas os pais já velhinhos e sem poder de decisão, dois tios resolveram assumir toda a responsabilidade da sobrinha e do bebé. «Isso é para que ele não brinque mais contigo e tenhas a oportunidade de arranjar um moço livre», esclareceram.
Até agora, não houve consenso. Mas o certo é que a família, tal como a menina grávida, está dividida e meio confusa sobre a decisão a tomar.
Parece-me que querem evitar precipitação, porque meio pode funcionar quer como adjectivo quer como advérbio. Como advérbio, meio não varia em género nem em número. Por isso, esteja a moça confusa ou a família precipitada, deve usar-se sempre meio.
«Ela está meio confusa» quer dizer «ela está um tanto confusa». Quando meio for adjectivo, pode variar em género e número1. Como, por exemplo, a conversa familiar foi ao meio-dia e durou meia hora.
1 Ernani Terra, Minigramática, editora Scipione, pág. 375.
In jornal Nova Gazeta, de Luanda, publicado em 25 de julho de 2013 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola