O primeiro-ministro [português] José Sócrates seguiu para Luanda Angola , nela se concentrando, como destacou, embevecida, a comunicação social portuguesa, um terço do PIB nacional.
Angola justifica, é verdade, o peso da comitiva de Sócrates, e espera-se que da visita, necessária e importante, resultem alargados ganhos para os dois países, ligados por laços mais afectivos do que se imagina. A verdade é que, não obstante, outros objectivos poderiam ter sido perseguidos se, para além da ideia do grande negócio, prevalecessem, também, o objectivo da cooperação e a vontade de inventariar soluções para alguns graves problemas que os dois países e os dois povos enfrentam.
Ao contrário da ideia projectada pela riqueza que se concentrou na comitiva do primeiro-ministro, é mais do que duvidoso que Portugal – país de desenvolvimento económico intermédio e na cauda da União Europeia em múltiplos campos – esteja à altura para competir num quadro de grandes investimentos públicos ou privados em Angola com as potências entretanto instaladas nesse país, da China à África do Sul. Mas estaria, e está-lo-á, em cinco áreas infelizmente esquecidas na agenda desta visita: a saúde, o comércio (e a pequena indústria), a agricultura, a cultura e a educação.
Em todas elas, Angola enfrenta dificuldades verdadeiramente dramáticas, e tem espaço a mais e população a menos. Portugal, pelo seu lado, dispõe do conhecimento e de recursos humanos. E tem ainda à sua frente uma cada vez mais clara perspectiva de voltar a ser um país de emigrantes. Há equilíbrios que podem ser conseguidos pela simples inventariação dos problemas de cada uma das partes e pela vontade comum de procurar as soluções mais eficazes.
Na área da saúde, compreende-se mal que, dispondo Portugal de uma estrutura que um dia foi das mais consagradas do mundo – posteriormente quase criminosamente extinta –, não tenha o primeiro-ministro considerado a importância do Instituto de Higiene e Medicina Tropical nesta sua viagem a Angola. Tendo em conta os problemas angolanos no plano das chamadas doenças tropicais (idênticos aos da generalidade dos países africanos da CPLP) – ainda por cima numa fase em que se verifica uma aguda crise de cólera na capital de Angola –, faria todo o sentido a presença do instituto na comitiva de Sócrates.
No comércio e na indústria, sobretudo na pequena indústria transformadora, tem Portugal o conhecimento e os recursos humanos indispensáveis, de que Angola tanto precisa para reproduzir a rede de pequeno comércio que fixava populações e completava o triângulo de que os outros lados eram a escola e o posto médico. Angola vai ter de seguir nessa direcção, e Portugal, como nenhum outro país, poderia ajudar nessa caminhada, com os inerentes benefícios próprios.
Na agricultura, Portugal pode erguer, das ruínas dos seus campos e do conhecimento dos seus agricultores, alguma capacidade de intervenção em Angola, que é um país de amplos horizontes e com uma dramática necessidade de auto-abastecimento alimentar.
Finalmente, a cultura e a educação, assentes ambas numa língua comum, inacreditavelmente descartadas dos objectivos desta visita. Dos cinco ministros que José Sócrates levou consigo a Luanda, nem um tutela as áreas susceptíveis da viabilização de projectos a favor da promoção e da difusão do português em Angola ou da sua aprendizagem nos diversos níveis do sistema de ensino local, ainda tão deficitários a todos os níveis.
E, no entanto, seja em Angola como nos demais países africanos da CPLP, as dinâmicas culturais que se produzem no seu interior mais do que justificavam o envolvimento oficial português, ainda que traduzido, apenas, em palavras de estímulo, em algum esforço de coordenação e em iniciativas de valorização dessas áreas. Esta viagem oficial a Angola bem poderia ter permitido algum espaço de afirmação do interesse de Portugal na língua da CPLP.
Na educação encontramos a área porventura mais estimulante na relação de Portugal e Angola, e também aí se descobre um campo de exploração que esta visita oficial voltou a ignorar de todo. Basta projectar a dimensão física de Angola, a sua geografia humana, as legiões de crianças e jovens ávidos de aprender, a inevitável proliferação de escolas, a multiplicação de liceus e institutos, o crescimento da área universitária – e, depois, reconhecer o muito que a Portugal sobra em recursos humanos e mesmo na resposta às crescentes necessidades angolanas no campo dos materiais de ensino.
Por óbvia associação à cultura e ao ensino, a Língua Portuguesa continua a ser uma das poucas grandes riquezas que Portugal possui. E, no entanto, Portugal continua fechado à afirmação e à exploração dessa riqueza, porventura embalado pela mensagem de que o inglês é que interessa nestes tempos da globalização dominante.
Só faltava mesmo o primeiro-ministro português ter proposto ao Governo angolano o envio de professores de Inglês – esquecido, ele ou quem o aconselha nestes temas, de que, em Angola, é ao português que um angolano do Norte recorre para falar com um angolano do Sul...
in "Público” de 8 de Abril de 2006