A publicidade usa a técnica da repetição sistemática para consolidar os estímulos no cérebro dos consumidores. A repetição torna a mensagem familiar e cria uma ideia de «normalidade» em relação à satisfação do apelo.
A repetição tem efeitos semelhantes no domínio da linguagem. A aprendizagem das línguas assenta, em muito, na audição e vizualização repetida das palavras.
Palavras e expressões utilizadas nos anúncios são, por via da repetição, memorizadas facilmente, ao ponto de haver "slogans" que passam da publicidade para a linguagem do dia-a-dia.
Esta realidade deveria implicar um cuidado redobrado dos publicitários com o rigor linguístico, de modo a evitar que asneiras escritas ou ditas acabem, de tão repetidas, por ser adoptadas pela larguíssima faixa dos cidadãos desconhecedores da gramática. Sendo as crianças o público mais receptivo à publicidade, é fácil deduzir os efeitos negativos da asneira.
Não se compreende, por outro lado, que as empresas de comunicação sejam extremamente rigorosas com a qualidade técnica dos anúncios e não tenham igual exigência com a qualidade linguística. Os anúncios de televisão, por exemplo, podem ser recusados por falta de definição da imagem, mas não tenho conhecimento de que algum tenha alguma vez sido recusado por erros de escrita ou de pronúncia.
Repare-se, por exemplo, no que acontece com a gama de produtos destinados, alegadamente, a combater o colesterol. Vários locutores, em diferentes anúncios ao longo do tempo, pronunciam erradamente a palavra colesterol, transformando-a num sonoro «cólestról». Parece impossível que em todas as equipas de produção de todos os anúncios em que entra a palavra COLESTEROL não haja pelo menos uma pessoa com um razoável grau de conhecimento linguístico e a coragem suficiente para eliminar este sinal de ignorância. A insistência no erro mostra que, infelizmente, falta pelo menos um dos atributos.
Outra asneira que começa a ganhar foros de normalidade em Portugal é a pronúncia aberta do «o» inicial. Num anúncio a uma marca de azeite, actualmente difundido na televisão, a palavra oliveira é pronunciada «óliveira», uma afloração do vício dos profissionais da rádio e da televisão que, por ignorância óbvia, pronunciam ócorrer, ócasional, ólfacto, óblíquo, óbedecer, óbjecto, óficial, etc. Sem esquecer a clássica asneira «2 em 1» que é a pronúncia óvinte, em vez de ouvinte.
A falta de cuidado das agências de publicidade com o rigor linguístico leva-as, por vezes, a fazerem passar por ignorantes aqueles que lhes pagam para verem promovida a imagem de empresas ou produtos.
A cadeia de supermercados Pingo Doce lançou uma campanha para justificar o aumento do preço do leite. No anúncio aparece um alto executivo da empresa a explicar que tinham «duas alternativas». Percebe-se que, afinal, tinham mesmo só uma alternativa. É frequente a confusão entre a alternativa e os seus termos. Ou seja, o Pingo Doce tinha duas opções, logo, apenas uma alternativa. O cliente devia ter uma alternativa a uma agência destas.
Fico-me por aqui, mas sugiro que prestem atenção à publicidade da rádio e da televisão porque vão encontrar muitos outros sinais de desleixo linguístico.