O ministro da Economia, Manuel Pinho, promove e paga — 6 milhões de euros — uma campanha publicitária turística do Algarve, assente nesta ideia: «para vender melhor» o Algarve aos estrangeiros, o nome Algarve passou a ser... "Allgarve". E explicou o motivo: «All em inglês quer dizer tudo, e, portanto, a ideia é juntar a marca tradicional do Algarve à ideia de tudo.» Acrescentou ainda porque não o incomoda "nada" que um nome português seja adulterado com um elemento linguístico de uma língua estrangeira: «O Turismo olha para os nacionais, mas o Turismo é essencialmente para os estrangeiros.»
Estas palavras fazem lembrar o antigo "provincianismo português" analisado por Fernando Pessoa, essa admiração cega por hipotéticas monumentalidades, ou ainda uma das páginas finais d'Os Maias, em que Eça de Queirós, pela boca da sua personagem Ega, a propósito das botas despropositadamente compridas dos cavalheiros da época, ridiculariza «o Portugal contemporâneo»: «Tendo abandonado o seu feitio antigo, à D. João VI, que tão bem lhe ficava, este desgraçado Portugal decidira arranjar-se à moderna: mas, sem originalidade, sem força, sem carácter para criar um feitio seu, um feitio próprio, manda vir modelos do estrangeiro — modelos de ideias, de calças, de costumes, de leis, de arte, de cozinha… Somente, como lhe falta o sentimento da proporção, e ao mesmo tempo o domina a impaciência de parecer muito moderno e muito civilizado, exagera o modelo, deforma-o, estraga-o até à caricatura. O figurino da bota que veio de fora era levemente estreito na ponta – imediatamente o janota estica-o e aguça-o, até ao bico de alfinete...»
Neste momento, no século XXI, Portugal não precisa de seguir «modelos do estrangeiro — modelos de ideias, de calças, de costumes, de leis, de arte, de cozinha…». É um país que pode e deve preservar a sua identidade e divulgar o que o valoriza.
Ora, no caso de "Allgarve", a subserviência em relação ao estrangeiro foi ainda mais longe do que nos piores exemplos do passado: é a subserviência da língua portuguesa em relação ao inglês, feita por um governante português!
É lamentável promover a adulteração de uma palavra portuguesa, não havendo razão nenhuma que o justifique. Além disso, o nome do Algarve é já há muito uma "marca" internacional. Algarve, Porto, Madeira, entre outros, são "marcas" portuguesas, nomes portugueses internacionalmente conhecidos há séculos. Estes nomes portugueses são reconhecidos no mundo inteiro, naturalmente pronunciados em cada canto do mundo de acordo com o respectivo idioma, mas escritos sempre em português. Arriscamo-nos, sim, com essa nova "marca", a que haja nacionais e estrangeiros que comecem a pensar que existe um qualquer "Allgarve" em terras de Sua Majestade… E para aí queiram ir, nas tais férias que o ministro desejaria que passassem no Algarve.
De salientar que a questão seria grave em relação a qualquer palavra portuguesa, mas que assume uma gravidade particular por se tratar do nome de uma região portuguesa: é um caso de afronta à identidade nacional, por um lado pela ancestralidade do nome do Algarve e por outro pela importância do nome como elemento de identidade.
A palavra Algarve existe há muitos séculos, sendo anterior à fundação da nacionalidade. É uma palavra de origem árabe, com o significado de oeste, poente, ocidente: aos olhos dos Árabes que iniciaram a conquista da Península Ibérica por Gibraltar (em 711), o Algarve ficava a Oeste. E o Algarve, antes de ser território nacional, foi um reino, conquistado por D. Afonso III, no longínquo século XIII.
Por outro lado, o nome é um elemento de identidade. Sendo a identidade o conjunto de características essenciais e distintivas de alguém ou de um grupo social, o nome é mesmo, segundo o direito português (e não só), a primeira característica do indivíduo considerada para o seu reconhecimento. E tem tanto valor o nome, que ninguém o pode mudar: só o próprio indivíduo e em circunstâncias muito especiais.
O nome do Algarve, como o de outras terras, pessoas, realidades ou produtos portugueses que vão sendo internacionalmente conhecidos pelo seu valor, deverá ser difundido com a sua grafia e a sua pronúncia portuguesa, pois a própria palavra é embaixadora do país.
«Minha pátria é a língua portuguesa» é uma conhecida frase de Fernando Pessoa, que acrescenta, linhas abaixo, após mostrar a sua indignação pela página mal escrita: «Sim, porque a ortografia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida.»
A palavra Algarve é completa: vista e ouvida. Em português, claro!
Ver também:
artigo publicado no Diário Económico de 27 de Março de 2007.