Estou muito agradecido ao consulente a quem a minha resposta sobre estas palavras não satisfez completamente. E agradeço a todos os que me apresentam objecções e/ou discordam, porque é com estes que aprendo: fazem-me sentir e pensar, e é pensando e sentindo que trabalho e aprendo. Os outros, os inteiramente concordantes, apenas me alegram por eu ter sido útil ao próximo; e por isso a eles me sinto grato, quando me comunicam a sua satisfação. Mas uma coisa é eu sentir-me alegre; outra, o sentir e o pensar que me levam a trabalhar e a aprender para vir a ser ainda mais útil.
Vamos, então, ao trabalho:
O que escrevi foi apenas a doutrina básica de natureza gramatical, sobre o emprego de este e esse, e aqui não falhei. E como não falhei, nada mais tenho que dizer (e não «a dizer», como por aí lemos e ouvimos). Respondi completamente, julgo, ao que me perguntaram. Reparemos, até, que o consulente me interrogou, dizendo: «Quando devemos utilizar um ou outro?»
Repare-se no seguinte: Ele perguntou quando devemos utilizar - pergunta restrita; e não, quando podemos utilizar - pergunta lata, ou melhor, latíssima. Eu respondi à restrição que ele desejava saber. A mais nada me senti obrigado. Por isso, nada mais disse. Mas como gosto de ser útil aos outros e à Língua Portuguesa, vou responder o melhor que puder às várias objecções, apesar de me ir dar muito trabalho. Tenho de pensar; e o pensar é muitas vezes mais trabalhoso do que o fazer.
Vou agora responder às observações dos senhores consulentes. Para maior precisão, começo por transcrever, em maiúsculas, as palavras que me parecem essenciais para determinar o ponto de que vou tratar; e, entre aspas, todas as outras transcrições que faço do comentário que me foi enviado. Ora vamos lá então:
1. O EMPREGO DO DEMONSTRATIVO DEPENDE... – Eu não disse nem dei a entender que «o emprego do demonstrativo depende exclusivamente do grau de proximidade do objecto a que se faz referência.» Começo por dizer que não me referi ao «demonstrativo» (singular), mas a três demonstrativos (plural): este, esse, aquele. E nem escrevi nem dei a entender que o tal «emprego (...) depende», e muito menos «exclusivamente» do referido «grau de proximidade», porquanto apenas expus a doutrina básica do emprego de este, esse, aquele, como afirmei, porque me pareceu ser isto o que desejava saber o consulente, uma vez que se trata dum estrangeiro, parece. É claro que há mais que dizer sobre a doutrina gramatical e bastante sobre o emprego estilístico de tais palavras. Mas isso não é para aqui, porque dá pano para mangas, como sói dizer-se. Afigura-se-me, pois, que tal comentário não tem razão de ser. Mas posso estar enganado...
2. SERÃO ESSES PRONOMES... Claro que não! Ambos nós sabemos muito bem que «esses pronomes» não são «servis à noção de lugar.» Apenas o são naquele ponto em que deles tratei, muito restrito, como atrás resumidamente expliquei.
3. O QUE SE VERIFICA É PRECISAMENTE O OPOSTO.
– Evidentemente! E nem eu disse o contrário, porque apenas me referi a uma limitadíssima situação do emprego dos pronomes isto, isso e aquilo. Mas não deixei de mencionar o ponto de vista estilístico, donde vemos quão «elástico» é o pronome demonstrativo. O exemplo do Aurélio, na entrada «Este», é um dos muitos e variados exemplos.
4. ESCREVO PARA ESTE «SITE»...
O consulente não deixa de ter alguma razão em admitir como certo dizer «Escrevo para este 'site'», embora o «site» pertença a Ciberdúvidas e nele esteja. E note-se que o Ciberdúvidas está em Portugal e não noutro país. Está, pois, junto da entidade para que se fala. Daqui, o ser inteiramente correcto o emprego de esse.
Mais ainda: o texto como escrita com que o nosso consulente contacta não é o autêntico, mas uma cópia obtida por fotografia. Por isso se lhe chama fotocópia. Isto é, o tal «site» (sítio, lugar) não está na Venzuela, mas em Portugal, e tem um nome: página; ou, se quiserem, Página.
5. - «ESCREVO PARA ESTA PÁGINA (= «SITE»), NÃO CONSIDERARAM QUE UTILIZO (...) A MESMA PÁGINA (...)».
a) O termo página não é igual a «site» (sítio), porque não é a tradução de «site», mas sim o nome desse sítio. Há, por exemplo, nos arredores de Lisboa, um sítio chamado Alto dos Moinhos. Uma coisa é o sítio, outra é o nome dele.
6. - A PALAVRA «PÁGINA» NÃO É TRADUÇÃO FELIZ DE «SITE». Pelo que já se disse, a palavra «página» não é tradução feliz nem infeliz de «site», porque de modo nenhum é tradução. É o nome do sítio. A tradução feliz seria outra, como sabemos: sítio, lugar, local. Página é o nome do local – local este que ficou bem individualizado: é só um e numa só rua de Lisboa; e sempre à disposição amiga de quem se interessa pela Língua Portuguesa. O Ciberdúvidas preferiu esta individualização à generalização de «sítio», que existe em todos os cantos do nosso planeta. Mas note-se: não se trata de individualização com sentido separatista, antes pelo contrário: individualização amiga com todos os seres humanos que a desejem em cooperação e auxílio mútuo.
7. - SEGUNDA [ILAÇÃO]: A INTERNET NOS IMPÕE (...) A CRIAÇÃO DE UMA FIGURA GRAMATICAL: O PRONOME DEMONSTRATIVO VIRTUAL.
A Internet não impõe nada. A Língua Portuguesa é que impõe – impõe aqui o que ela é. Então vejamos:
1. - Na doutrina sintáctica apresentada no Ciberdúvidas não «impõe a criação de uma nova figura gramatical.» Se houvesse criação, seria ela de natureza estilística e não de natureza gramatical. Suponhamos esta frase, como tantas outras que lemos nos nossos melhores escritores. Diz alguém:
– Só daqui a três anos estou em condições de te fazer isso. Então nesta altura conversamos e resolvemos o assunto.
Como vemos, trata-se de assunto futuro. Obedecendo à lógica, a redacção deveria sofrer as seguintes alterações:
a) Em vez de estou, diríamos estarei.
b) Em vez de nesta, diríamos naquela. (Repare-se no demonstrativo).
c) Em vez de conversamos e resolvemos, diríamos conversaremos e resolveremos.
Mas o homem não se deixa governar apenas pela lógica. Obedece também não raro ao seu sentir - é governado pela sensibilidade. Estamos, pois, em presença dum caso de situação psicológica. O ser, o sentir e o querer não raro têm tal preponderância, que a lógica fica obscurecida, para que na linguagem realce, ou brilhe até, o que lhe vai na alma. A nossa língua é assim, porque assim é o nosso povo. E todos nós somos povo. Nela está gravado o que somos e o como somos. E ainda bem, porque ficamos a conhecer os outros, o que nos ajuda a conhecermo-nos a nós próprios.
Aqui vai outro exemplo, entre tantos que se podem apresentar:
Este Sol que nos ilumina é a estrela bendita que dá vida à Terra.
Como «este Sol»? Se ele está tão longe de nós?...
Dizemos este, porque estamos a viver um facto muitíssimo distante de nós, mas como se nos estivesse presente, porque sentimos o calor do Sol e a sua vida em nós; e vemos a sua luz fulgurante, que ilumina o nosso caminho.
Só mais um exemplo para findar:
Um casal está almoçando em casa, e diz a mulher a respeito do filho que se encontra na escola a quilómetros de distância:
– Ai este filho, este filho, que não há maneira de ter juízo! Não quer saber do estudo para nada. Que será ele um dia?
A conversa continua, e depois falam do vizinho do lado e diz o marido: – Aquele malandro só está bem a enganar os outros para depois lhes ficar com o dinheiro!
Não vale a pena comentar, porque é clara a compreensão de este, referido a quem está longe, e de aquele referido a quem está perto - pertinho!
O emprego destes pronomes é assim como vemos – e muito pouco vimos. Por isso é que procurei determinada lógica na resposta que dei: considerei a página (o tal «site») onde ela verdadeiramente está, isto é, no Ciberdúvidas. Junto do consulente está apenas a reprodução.