Retomemos a frase «Lépido, filhote de Valente, um indômito de quatro anos, estava ontem deitado no pasto, sem sela, relinchando, quando foi laçado» e construamos uma nova frase com os constituintes relevantes para a análise que Virgílio Dias contestou:
(i) «Lépido estava deitado sem sela.»
O predicativo do sujeito é a palavra ou expressão que estabelece uma relação de sentido com o sujeito, que o caracteriza; em (i), essa posição é preenchida pela forma participial deitado.
O constituinte «sem sela» não caracteriza o sujeito («Lépido»), mas o modo como «Lépido estava deitado», daí a ser classificado como complemento circunstancial (opcional) de modo («com sela ou sem sela»).
Uma prova de que é opcional é o facto de poder ser omitido sem que a frase deixe de ser gramatical:
(ii) «Lépido estava deitado.»
Poderíamos ainda formular uma interrogativa de instanciação, que é um dos testes para identificar funções sintácticas:
O complemento circunstancial de modo responde à pergunta «COMO?», e não pode fazer parte dessa mesma pergunta:
(a) «Como estava Lépido deitado?»
«Sem sela.»
(b) *«Como estava Lépido sem sela?»
«Deitado.»
Ainda reflectindo sobre a natureza dos constituintes frásicos, é sabido que um constituinte funciona em bloco, e que se pode deslocar ou substituir na frase apenas no seu conjunto. Consideremos as seguintes frases:
(iii) [[O filhote de Valente suj.] [estava pred.] [deitado pred. suj.] [sem sela c. c. de modo]].
(iv) [[*O filhote suj.] [estava pred.] [de Valente suj.] [deitado pred. suj.] [na sela c. c.de modo]].
(v) [[Sem sela c. c. de modo], [estava pred.] [deitado pred.suj.], [o filhote de Valente suj.]].
(vi) [[Ele suj.] [estava pred.] [deitado pred. suj.] [relaxadamente c. c. de modo]].
Em(iii), substituímos o sujeito («Lépido») por um constituinte equivalente. Em (iv), ao deslocar apenas parte do constituinte sujeito, damos origem a uma frase agramatical. Em (v), deslocamos o complemento circunstancial de modo, que, por constituir um bloco estrutural circunstancial/opcional, tem grande mobilidade na frase [se formasse um bloco com o predicativo do sujeito, não poderíamos deslocar apenas parte do constituinte, como vimos em (iv)]. Em (vi), voltamos a comutar o sujeito, desta vez por uma forma nominativa do pronome pessoal, e comutamos o complemento circunstancial de modo por um constituinte equivalente: um advérbio de modo, sem alterar a estrutura gramatical da frase.
Apenas para concluir, queria só fazer uma pequena observação ao comentário de Virgílio Dias; como correctamente afirmou este consulente, o verbo estar é, na maioria das ocorrências, um verbo copulativo/predicativo (seguido do predicativo do sujeito), vejamos alguns exemplos:
(a) «Ela está bela.»
(b) «O João está irritado.»
(c) Ele está deitado.»
Nestes exemplos, o verbo estar é um verbo de ligação, funciona como elo entre o sujeito e o seu predicativo (que caracteriza o sujeito). Mas também ocorre, muito frequentemente, como transitivo indirecto, seguido de complementos preposicionados; observemos:
(d) «Ela está contra a nova lei.»
(e) «Estou em casa.»
(f) «A farmácia está a 10 m da casa do Pedro.»
(g) «A Maria não está para conversas.»
(h) «Estava de saída, quando a Paula chegou.»
(i) «A criança está com os tios.»
(j) «Uma noiva deve estar de branco.»
(l) «A primeira-dama estava com um colar de diamantes.»
Em nenhum dos exemplos acima o verbo estar é um verbo de ligação, logo, nenhum dos elementos subsequentes é predicativo do sujeito; apenas indicam circunstâncias (de modo, de lugar, de companhia, etc.).