Com [este] texto, encerra-se uma breve apresentação do essencial sobre o Acordo Ortográfico, que tanta tinta tem feito correr.
Já aqui se focou um dos aspectos da simplificação da ortografia, o da supressão das consoantes mudas ou não articuladas, numa linha de continuidade com o que acontecera em 1945, mas indo mais longe, não levando em conta a influência dessas consoantes no timbre das vogais anteriores (a abertura das vogais a, e e o), nem a similaridade do português com as demais línguas românicas. E há, ainda, a referir dois aspectos mais graves: o da quebra de harmonia de palavras com formas afins e o da diferença real de grafia entre a língua que se fala em Portugal e a que se fala no Brasil.
Vejamos o primeiro aspecto.
O acordo consigna que quando as consoantes não são articuladas não se escrevem, independentemente de haver outras palavras da mesma família em que essa consoante é articulada e, portanto, se escreve.
Com esta disposição, vão ocorrer, por exemplo, as seguintes situações: escrever-se-á Egito (sem p, porque não se pronuncia), mas egípcio (porque este p se pronuncia); caráter, mas caracterizável e característico (porque o c se pronuncia); noturno, mas noctívago; epilético, mas epilepsia; lácteo (porque o p se articula), mas laticínio.
Estes exemplos são elucidativos de que se deveria ter mantido uma norma estipulada no Acordo de 1945: a de conservar as consoantes mudas que ocorrem em formas que devem harmonizar-se graficamente com formas afins em que o c ou o p se mantêm.
O outro aspecto diz respeito à supressão de consoantes em Portugal, porque são mudas, mas à sua manutenção no Brasil, porque são articuladas. Acontecerá, assim, por exemplo, que em Portugal se escreverá cato (planta tipicamente espinhosa) e no Brasil cacto (porque o c é pronunciado), em Portugal, conceção, receção, rececionista, recetivo; no Brasil, concepção, recepção, recepcionista, receptivo (porque o p se pronuncia).
Estas situações, além de irem contra todas as reservas que assentam na tradição ortográfica e na defesa da manutenção tanto quanto possível de traços da etimologia, ferem a congruência gráfica. Seria certamente mais aceitável uma disposição como a que surgira no texto do Acordo de 1945, em que se referia a manutenção na escrita das consoantes quando oscilavam entre a prolação e o emudecimento ou quando se articulavam apenas num dos países na altura signatários, ou seja, se se articulavam ou apenas em Portugal ou apenas no Brasil, seriam escritas em ambos os países. Por estes aspectos se pode também verificar não ter sido conseguida a tão propalada uniformidade gráfica.
E assim terminam estas breves reflexões de natureza linguística sobre o Acordo Ortográfico. A polémica em torno do Acordo está para durar. Mas fiquemo-nos por aqui. O próximo texto terá outra temática.
Artigo publicado no Diário do Alentejo de 6 de Junho de 2008, na coluna A Vez ao Português.